Sem humano, sem nome

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Galileu ouviu um miado familiar. Virou-se curioso. Era mesmo ela: Luna. Sua amiga caminhou com agilidade por sobre o muro e sentou-se ao lado dele. Estava usando sua coleira preferida de lacinhos.

― Oi Luna. ― Cumprimentou Galileu.

― Hey Galileu. ― Ela devolveu, e logo depois acrescentou: ― Tudo bem?

Galileu assentiu.

― Tudo sim. É só que... ― Ele não sabia muito bem como dizer aquilo. Ela ia achar estranho. ― Eu não sei como vim parar aqui.

Ela riu debochando.

― Você não​ sabe como veio parar em casa?

Galileu deu de ombros de um modo felino. Era estranho ele se sentir daquele jeito, ele sabia. Mas, ainda assim, tinha a sensação que devia estar em outro lugar.

― É. Eu não estava em casa. ― Tentou explicar ele. ― Eu... eu estava...

― Estava onde? ― Perguntou Luna, curiosa.

Mas ele não saberia dizer. Talvez fosse apenas confusão​ da própria cabeça​.

― Eu quebrei um pote de biscoitos hoje. ― Miou Luna, mudando de assunto. Ela mexia os bigodes, provavelmente se divertindo com a lembrança.

― Por que? ― perguntou Galileu.

Luna serpenteou o rabo.

― Porque sim, ora. ― Ela então olhou para ele de um jeito travesso. ― É legal ver as coisas caírem e se espatifarem.

Galileu concordou com a cabeça, mas, na verdade, ele não entendia muito bem o que ela queria dizer. Ele não costumava quebrar coisas por diversão.

― Seus humanos não ficaram com raiva? ― Perguntou ele interessado. ― Você disse que quando Pandora destruiu aquele sapato, ela levou uma baita bronca.

Luna lambeu uma das patas dianteiras com superioridade.

― Eles devem ter ficado chateados, mas não me deram bronca. ― ela levantou o olhar para Galileu. ― Sou um gato afinal. Pandora é apenas um cachorro bobo.

Galileu mexeu-se incomodado.

― Ela não é boba. Ela é bem legal, na verdade. ― Miou ele.

Luna olhou para ele surpresa e até um pouco ultrajada.

― A Pandora? Como assim legal? Ela passa o dia inteiro se sujando de terra no jardim para enterrar ossos, e depois ela esquece onde os deixou! Cães são todos bobos. Sem exceção.

― Não fale assim! ― repreendeu Galileu. ― Se não fosse ela nem sequer teríamos uma pista de onde você está!

O sorriso e o deboche de Luna desapareceram.

― Como assim, Galileu? Eu estou aqui. ― Ela miou de modo suave.

Mas era tarde. Ele já havia percebido que aquilo não era verdade. Ficou olhando para Luna, enquanto, lentamente, o sonho se desfazia, ela desaparecia e ele acordava no frio da praça.

Galileu acordou ainda durante os primeiros raios de sol. Foi difícil sair do abraço quentinho de Pandora para o ar frio da madrugada, mas eles tinham que continuar a jornada. Tinham que achar Luna. Ele tentou acordar Pandora, mas recebeu apenas uma fungada, e uma chicotada de cauda no focinho. Tudo bem. Ela podia dormir mais um pouco​, enquanto ele arranjava algo para comer.

A praça estava vazia, pois era muito cedo, e quase nenhum humano havia acordado ainda. As únicas pessoas na rua eram alguns comerciantes que já haviam chegado para abrir suas lojas. Um deles assustou Galileu de modo hostil, fazendo sons sibilantes. Assustado, o gato preto correu para longe, indo parar em um beco estreito, que ficava nos fundos de uma padaria. Olhou desgostoso para o grande contentor de lixo. Mais uma refeição ruim.

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