Estrada 401

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Já passava das nove da noite, mas desde antes do anoitecer nenhum veículo havia cruzado aquela velha estrada. O Dodge charger 75 amarelo havia parado de funcionar sem qualquer motivo aparente, e estava parado no acostamento por longas e exaustivas quatro horas.

Realizando a sábia escolha de preservar a bateria do carro o quanto pudesse, Marco desligou com desnecessária arrogância o som do veículo, que já repetia pela sétima vez o cassete do Thriller. Fez-se, assim, total silêncio na escuridão da estrada. O céu pendia mais escuro que o normal naquela noite, com poucas estrelas e muitas nuvens espessas, e a luz interna da cabine parecia ser o único sinal de vida em um raio de quilômetros de extensão. Pássaros noturnos sobrevoavam a estrada casualmente, unindo seus piados arrepiantes em uma sinfonia quase sobrenatural.

Sem muitas opções a apontar, Marco baixou vagarosamente o banco e acomodou-se ao encosto. Com um suspiro, constatou que tudo já estava perdido naquele dia; àquela hora da noite ninguém estaria mais esperando que chegasse em casa, embora ele houvesse prometido estar lá antes do jantar. Estava preocupado, e se bem conhecia sua irmã, sabia que ela já havia discado a milionésima chamada para seu telefone residencial. Era aniversário da vovó Dolores, o único evento que Marco respeitava mais do que as idas ao fliperama para gastar todo seu dinheiro com apostas no Donkey Kong.

Embalado pelos uivos do vento, o sono aos poucos veio se aproximando, apagando os sentidos do rapaz. Ele, porém, relutava em adormecer ali, no meio do nada, a mercê de qualquer tipo de maltrapilho que resolvesse aparecer. Ocasionalmente lia nos jornais notícias de pessoas encontradas mortas à beira de estradas, e não se sentia pronto para se tornar uma daquelas estatísticas. Decidiu se manter em alerta, mesmo que o silêncio ao redor fosse aterrador: além dos sopros do vento, o cricrilar dos grilos criava uma atmosfera lúgubre, selvagem e completamente aterrorizante. Acima disso, a capa negra da noite parecia tornar-se mais e mais espessa a cada minuto, e as nuvens não hesitavam em cobrir insistentemente as poucas estrelas que tentavam brilhar sobre o carro parado na estrada 401.

Algum tempo depois, mesmo que não estivesse permitindo-se cair no sono, Marco imaginou ter sonhado rapidamente: podia ouvir um ronco de motor se aproximando. Estaria delirando graças à fome e à sede que já o atormentavam por mais de cinco horas ininterruptas? Talvez não.

O som ficava mais nítido a cada segundo, definindo-se como os roncos de um motor antigo e provavelmente danificado. Manteve-se assim por poucos segundos, até que um estouro indiscreto – BANG – cortou a linha tênue entre o silêncio e a escuridão. Era, de fato, um motor. Um carro realmente se aproximava.

Sem perder um segundo sequer, Marco abriu a porta do carro e saiu. Já de pé, no meio da estrada, pôs-se a sacudir os braços de maneira eufórica, enquanto as luzes do farol da salvação cresciam à sua frente. O motorista, assim que percebeu a presença de um ser vivo na estrada àquela hora da noite, reduziu a velocidade, parecendo disposto a ajudar. Parou a vinte ou trinta metros de distância do jovem, mantendo os faróis altos e ofuscando completamente a sua visão.

— Ei! – gritou Marco, tomado pela esperança. - Preciso de ajuda! O meu carro quebrou e preciso de uma carona até a cidade mais próxima!

A resposta foi nenhuma, e Marco apenas esperou. O único som que agora se ouvia era o da melodia de You spin me round, levemente distorcida por um rádio de qualidade duvidosa, sendo tocada no veículo junto com o roncar leve do motor em modo de descanso.

— Ei, você tá me ouvindo? – tentou mais uma vez.

Para a segunda tentativa, a reação foi o apagar dos faróis. À frente, apenas trevas e a voz alucinante do excêntrico Pete Burns.

OITO | Uma coletânea de contosDonde viven las historias. Descúbrelo ahora