– Stuart – Astrakhanov se apresentou, estendendo a mão e apertando a do colega de mesa. – Sim, já estive no Brasil. Estou retornando para o trabalho após uma breve visita aos meus familiares.
– Ah, o senhor mora lá? Sortudo – replicou o outro. – Eu me dou esse luxo de vez em quando. Não vou só para o Brasil, é claro, mas para o Caribe, para as Colônias, e onde mais haja sol. Não temos filhos, então para que guardar dinheiro, não é mesmo? – o homem riu, se servindo do champanhe que tinha pedido para o garçom trazer. – Para algum sobrinho-neto distante que eu nunca vi na vida? Pois que herde o que sobrar depois que gastarmos bem!
Ele deu nova gargalhada, e sua esposa esboçou um sorrisinho sem graça e olhou de canto para mim, provavelmente se perguntando se eu já teria começado a julgá-la pela ausência de rebentos.
– E vocês, têm filhos? – perguntou o burguês. Eu estava doida para que o prato dele chegasse, e ele ocupasse a boca com outra coisa e parasse de falar tanto. – Imagino que ainda não, um casal tão jovem...
– Não, de fato, não temos – respondeu Astrakhanov.
– E jamais teremos – emendei, medindo tão mal a ironia que meu parceiro me lançou um olhar alarmado. – Muito provavelmente... Minha saúde é frágil – expliquei, tentando espantar o clima esquisito que pairara após minha declaração. A mulher me concedeu um olhar compreensivo e tapinhas na mão.
– E precisa de uma saúde muito sólida para controlar aqueles pestinhas – ela observou, com um pequeno sorriso. Eu respondi com um sorriso amarelo, e Astrakhanov foi obrigado a tomar as rédeas da conversa para desviar o assunto
– Então, Sr...
– Almond – pronunciou o nosso interlocutor com ar importante. Ficou esperando que reconhecêssemos seu nome, mas se desapontou ao não ver caretas chocadas de admiração deformarem nossos rostos, e, após um momento, completou: – Da Nuts for Almonds.
– Nem todo mundo gosta de pasta de amendoim, querido – interveio a esposa, percebendo que a cara dele estava murchando ante o nosso fracasso em reconhecer o nome do seu império industrial.
– Ah – Astrakhanov exclamou. – Eu ia agora mesmo perguntar-lhe em que ramo o senhor atuava. Que satisfação dividir a mesa com um membro de sucesso da burguesia inglesa.
A ironia era fina demais, até parecia sinceridade, mas estava lá, e eu tive que estufar a boca com comida para não rir.
– E que coincidência providencial, também – Astrakhanov complementou, ajeitando os óculos falsos – com o seu nome, o senhor trabalhar justo com amêndoas.
A leve camada de ofensa que pairava sobre a face do britânico esvaneceu ante essa observação, e ele se abriu novamente.
– Não, não, nada de coincidência, meu caro, aqui o que temos é tino – ele tornou, fazendo sinal negativo com o indicador. – Eu fui zombado toda a minha adolescência por ter esse sobrenome; dei a volta por cima e transformei-o em minha fonte de lucro.
Então o Sr. Almond, sem precisar de estímulo, mergulhou em reminiscências cheias de autocomiseração e de empáfia sobre a lenta construção de seu império econômico, começando na infância – verdadeira ou lendária – como aprendiz de engraxate. Como até o veludo era menos tedioso do que isso, eu voltei minha atenção para a esposa dele.
– Não gostou do menu do navio? – perguntei, ao reparar que ela mal tocara no próprio prato, ao passo que sugava a piteira continuamente.
– Não, querida, é o mar que estraga meu apetite – respondeu a Sra. Almond, com um aceno da mão. Sorri, compreensiva.
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Dias Vermelhos
التاريخيةEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...
Capítulo 43 - No Transatlântico
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