Capítulo 2

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Quando acordei já estava num quarto diferente, provavelmente aquele que a enfermeira mencionou, era bem simples e um pouco melhor de onde estava antes. Além da cama havia um pequeno sofá no canto e uma TV, que estava desligada.

Eu estava sozinha e aproveitei para pensar em tudo o que o médico e a enfermeira me disseram.

O que eu ia fazer da minha vida, já que não lembrava de nada, nem de quem eu era? E essa suposta família que eu tinha, mas que eu não conseguia considerar, pois eram estranhos para mim nessa condição que me encontrava. Um marido e sogros. Será que nossa relação era boa ou má? E pais, será que eu tenho? Se tivesse, acho que a enfermeira teria mencionado, a não ser que vieram nos dias que não trabalhava. Por falar nisso, será que eu trabalhava? Argh, que situação horrorosa, me sinto totalmente impotente.

Em meio as minhas divagações quase não percebo que alguém entrava no quarto. Vislumbrei o movimento pelo canto do olho e quando dediquei minha completa atenção fiquei apoplética, aposto que se estivesse de pé teria caído.

Um homem alto, talvez mais de 1,80 m, corpo atlético mas não exagerado, ombros largos e tórax definido abrigados numa camiseta branca que não deixava dúvidas de seu bom físico, longas pernas fortes abrigadas num jeans desbotado, daqueles que quase parecem que vão rasgar de tão gastos, mas que também são maravilhosos de contemplar em alguém com um bom físico.

E pra completar ele tinha um rosto lindo, todo ângulos fortes e másculos, uma mandíbula quadrada com um queixo com uma pequena fenda que só aumentava sua beleza. Ele estava com um restolho de barba de um dia ou dois, mas que não prejudicava nada no conjunto. Tinha uma boca de lábios volumosos, que agora estavam numa linha severa, mas aposto que teria um sorriso lindo. Seu nariz um pouco aquilino.

Possuía grossas sobrancelhas numa testa pouco proeminente. Seus cílios eram lindos, longos e espessos, dando inveja a qualquer mulher. Não conseguia ver seus olhos porque suas pálpebras estavam bem abaixadas, já que ele olhava para o chão perdido em pensamentos, sua fisionomia estava séria. Desse modo pude ficar admirando-o mais um pouco sem passar vergonha.

E tinha o cabelo curto, mas não tanto, um comprimento razoável, que caia na testa e têmporas, era escuro quase preto e levemente ondulado.

Para minha sorte ou azar, ele logo levantou os olhos e eu esqueci de respirar. Ele tinha olhos de um verde água-marinha, tão claros que quase não pareciam reais.

Quando me viu, ainda estava sério, mas uma chama de surpresa e preocupação piscaram naqueles olhos, mas logo ele encobriu essa reação. Talvez ele tenha entrado no quarto errado. Sorte a minha.

- Vejo que você já está desperta. O médico já havia me dito que melhorou desde a última vez que te vi, mas todo esse tempo você esteve desacordada que não consegui acreditar até que visse por meus próprios olhos. Eu estava aqui até agora pouco e só sai pra comer. Você esteve adormecida por tanto tempo que achei que não acordaria mais essa noite.

Bom, pelo menos ele me conhece, pena que não tenha sido tão caloroso como eu gostaria de um espécime tão lindo. Pena também que eu não me lembrava nada sobre esse homem.

- Eu só me lembro de ter acordado uma vez, falei com uma enfermeira e um médico. Nem sei bem quanto tempo passou, pois logo que falei com eles adormeci e acordei agora a pouco.

- Isso foi hoje de manhã, sei porque me avisaram e só consegui vir aqui agora à noite depois do trabalho, mas minha mãe esteve aqui de tarde enquanto eu não pude.

Quem será que era ele? E sua mãe?

Eu queria perguntar, mas me senti intimidada, já que ele não parecia muito feliz em me ver. Amnésia estúpida, gostaria muito de saber quem era esse homem.

Será que era o suposto marido que a enfermeira comentou? Claro que não, eu não teria tanta sorte assim, mesmo não lembrando de minha aparência, era bem improvável que eu tivesse fisgado esse peixão. Mas quem mais poderia ser ele?

Percebendo meu silêncio incômodo, suas feições suavizaram.

- Você realmente não se lembra de nada? Nem de mim?

Envergonhada eu afastei o olhar.

- Desculpe. Eu não me lembro de nada a não ser a vez anterior que acordei. O médico disse que isso pode ser temporário.

- Ele me disse isso também. E você não precisa se desculpar, afinal a amnésia não é culpa sua.

- Eu sei, mas é que é tão angustiante não lembrar nada, nem sequer meu nome. Sei o que significam as coisas, mas não tenho nenhuma lembrança da minha vida.

Senti que ele se aproximava da cama só que ainda continuei olhando para minhas mãos, que eu retorcia agora pelo nervoso dessa situação. Isso permitiu que eu visse quando ele levantou uma mão para tocar as minhas.

Seu toque era quente, uma pele calosa e muito reconfortante. Permiti-me saborear esse contato todo o tempo que ele deixasse. Gostaria que fosse permanente. Eu poderia até morrer agora, tão bem que me sentia e ter esse momento como o último.

Ele acariciou o dorso de minha mão com o polegar e eu quase me desmanchei. Com a outra mão ele levantou meu queixo em sua direção e eu abri os olhos que nem lembrava ter fechado.

Ele olhou profundamente nos meus olhos por alguns segundos, com tanta saudade naquele olhar, depois suspirou e afastou seu toque. Senti sua perda como uma parte de mim que ficou faltando.

- Talvez quando você volte pra casa, por estar num ambiente que outrora foi familiar ajude com sua memória.

- Talvez – eu mal consegui responder.

- O médico disse que logo você poderá estar de alta, caso o resultado de seus exames sejam favoráveis. Eu não poderei ficar durante o dia, mas minha mãe virá em meu lugar, assim como fez hoje.

- Tudo bem, mas ninguém precisa se incomodar em ficar aqui, eu durmo na maior parte do tempo e aqui tem uma TV assim posso me distrair quando acordar. Eu realmente não quero atrapalhar ninguém.

Ele me olhou tão surpreso com o que eu disse, como se tivesse dito alguma coisa sem sentido.

Murmurou baixinho algo como talvez a batida tenha sido muito mais forte do que imagino logo acrescentou em voz alta

- Não há problema, minha mãe se ofereceu em ficar aqui quando não estou. Não irá atrapalhá-la.

Eu queria discutir sobre isso, mas o sono já estava me dominando novamente e ele percebeu.

- Pode dormir, eu estarei aqui.

Quase adormecida, consegui perceber que não lhe perguntei seu nome e nem ele o disse. Nem sabia com certeza se era meu marido, mas tudo indicava que sim.

Talvez eu tenha essa sorte, ou talvez tudo isso tenha sido um sonho, quem sabe? 

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