Capítulo 2 - Sinuca de bico

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Mesmo com a minha curiosidade pulsando, tentei me controlar e não comentar nada sobre o que havia ouvido durante o jantar. Minha mãe, por outro lado, apresentava um comportamento suspeito, tentando me agradar a todo minuto. Por maior que fosse a minha paranoia, até o meu bom senso pequeno e desnutrido pressentia que aquela calmaria era apenas a prévia de uma tempestade.

De resto, os dias após o ocorrido se passaram normalmente. Minhas férias continuavam no mesmo ritmo ocioso de antes, carregadas da mais cristalina inutilidade. Não fazer nada produtivo era, de fato, a minha especialidade.

Até que o começo de uma quinta-feira nublada me trouxe às mãos a bomba que eu estava aguardando há cinco dias. Como em grande parte das minhas férias, eu acordara tarde. Acompanhada de uma caneca de leite e um misto-quente, cheguei ao sofá, onde – controle remoto e almofadas a postos – meu território para o resto do dia estava preparado. Com preguiça até de mudar o canal, eu assistia a um documentário aleatório sobre os benefícios dos alimentos integrais quando minha mãe se aproximou sorrateiramente.

"Você não me contou até agora o que achou do Dario." – começou ela com um tom amigável.

"Mas você já me perguntou isso, mãe."

"E você não me deu nenhuma resposta específica."

"Como não? Eu disse que achei ele simpático."

Silêncio. As fibras dão sensação de saciedade, contribuindo para um melhor funcionamento do intestino, a voz na televisão continua. Tentei prestar atenção no que o homem dizia, mas era nítido que, para ela, o assunto ainda não estava encerrado.

"E os meninos? Você se deu bastante bem com a Zoey, não?"

"Ela é simpática." – respondi, com os olhos grudados na tela – "Para uma menina de oito anos."

"E o Thomas?"

"O que tem ele?"

"O que você achou dele, ué."

"Simpático. Quer dizer... Com base nas três frases ou menos que ele falou enquanto estava na sala."

"É, eles parecem ser ótimos. E a casa é bastante bonita, não?" – ouvindo isso, eu pude ver de relance a adolescente que ela fora um dia, suas expectativas e deslumbramentos."Deve ser ótimo morar em um lugar assim, com piscina, quintal, tanto espaço."

"É..." – eu calculava meticulosamente as palavras inseridas em cada frase para que elas não fossem usadas contra mim no futuro – "É uma casa bonita."

Outro silêncio. Dessa vez, maior. Ouço o vento se esgueirando pelo vidro, as fibras, os orgânicos, o funcionamento do organismo, baixa caloria, minha perna esquerda balançando no ritmo do relógio enquanto a falta de movimento da cena me aflige mais que um filme de terror. Ela suspira.

"Olha, eu..."

"Mãe, fala logo." – não me aguento. Eu sabia que, se dependesse dela, voltas e mais voltas seriam dadas ao redor do assunto, como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Prefiro as notícias dadas cirurgicamente: vamos direto ao nervo. Sem desperdício de sangue. Ou tempo. De uma vez só.

"Tudo bem. Eu realmente precisava falar com você."

"Eu sei, mãe, você tem tentado há alguns dias."

"É que não é fácil, Lia." – ela aumentou um pouco o tom. Me senti culpada. Outro curto silêncio. – "Bom... Já faz alguns meses que eu e Dario estamos namorando, você sabe disso."

Quase sem quererWhere stories live. Discover now