O passado as vezes bate a porta...

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Sarah Torres


Eu cantei durante o banho naquela manhã,  cantei como não cantava há anos, como não cantava desde que Marco se foi.
A alegria se espalhava pela minha pele, enquanto eu lavava minha alma.
E de frente com o espelho Spencer corava olhando a marca de mordida sobre o ombro esquerdo dele, eu não lembrava de ter feito isso.
E ele não lembrava de ter mordido a lateral da minha coxa, nem lembrava da marca no meu pescoço.
-Morgan vai acabar com a nossa vida.- Eu decretei lavando a espuma do meu corpo.
Ele riu, um riso alto e despreocupado que eu raramente via.
-Vou me vestir, se apresse ou vamos  nos atrasar.  -Me disse empurrando as mechas de cabelo atrás da orelha.
-Volte aqui... Nós podemos apenas perder o vôo. – Eu digo batendo no box de vidro.
-Eu... Acredite eu já tentei uma vez,  e jurei que nunca mais ia perder um vôo. –Ele diz, abrindo a porta de vidro e me dando um último beijo antes de escapulir de toalha pra fora do banheiro.
Pensei sobre como eu estava feliz, percebendo que eu não sorria assim a pelo menos meia década.
A morte dele sempre estava ali, pairando sobre a minha cabeça como uma nuvem de tempestade e então Spencer chega e um tornado varre tudo pra fora do caminho.
Somos eu e ele, mais ninguém.
Quando saio do banho ele está com a camisa que eu dormi nas mãos, a mala arrumada está na cama ao lado dele, ainda aberta.
-Spence? – Pergunto
-Eu quero que você fique com ela, o que é estranho porque essa camisa significa bastante pra mim. -Ele me diz estendendo ela na minha direção.
Eu, enrolada na toalha e molhada a aceito.
-Obrigada Spencer. Eu não sei o que dizer. -Suspiro
Ele me olha e fecha a mala.
Eu caminho até a minha própria mala, colocada do outro lado da cama e pego algo que sempre carrego comigo quando estou em viajem.
É uma bolinha daquelas que pulam, feita de material transparente com pedacinhos dourados dentro de si.
Custou uma moeda em uma maquina daquelas que você coloca e gira a alavanca.
Entrego pra Spencer.
-Promete que nunca vai perde-la?- Pergunto a ele.
Ele pega analisando o peso.
-Ela é especial? -Me pergunta
-Eu ganhei do primeiro perfilador que realmente acreditou em mim. O melhor enxadrista que eu já conheci. – Digo deixando minha mente vagar por lembranças. – Jason Gideon me ensinou mais sobre mim mesma nas nossas cartas do que eu fui capaz de descobrir por anos.
Spencer me olha com interesse.
-Jason Gideon?
-Sim. – Eu digo. – Eu sei sobre vocês Spence... Nós nos correspondiamos muito. 
Um olhar de saudade passa por Spencer.
-Ele nunca me disse. Eu nunca... Nunca saberia.
-Ele mandou isso, foi comprado em New Orleans durante aquele caso da moça que imitava Jack o Estripador.- Eu conto pegando uma calça jeans pra vestir
-Eu não posso ficar com ela. -Ele tenta me devolver a bolinha.
-Fique com ela, Gideon foi importante pra mim e sei que foi pra você também. – Eu coloco as mãos dele em concha e pouso a bolinha ali. -Eu tenho o suficiente dele em casa, dezenas de cartas e uma cópia do meu perfil.
Spencer engasga.
-Do seu perfil?- Ele pergunta.
-A NSA pediu que ele me perfilasse, foi assim que nós começamos a nos falar Spence. Foi a principal influencia para me  colocarem como Analista Comportamental. – Sorrio tentando inutilmente enfiar  a perna na calça.
Ele guarda a bolinha no bolso e me olha.
-Eu vou cuidar dela.- Diz-me.

Depois de muita luta com o Jeans skinny eu finalmente entro dentro da calça apertada, e passo a blusa que ele me deu pela cabeça enfiando a parte da frente no coz da calça e dobrando um pouco atrás.
Eu tinha o sobrenome dele nas minhas costas e um sorriso enorme no rosto.
Nós descemos de mãos dadas para o saguão do hotel, JJ tinha me mandado uma mensagem avisando  que eles estavam tomando café do outro lado da rua naquele café simpático.
Os sorrisos foram as primeiras coisas que eu vi quando cheguei na mesa.
-Pretty boy! Alguém se deu bem ontem a noite. – Morgan diz sorrindo e Spencer cora visivelmente.
-Primeiramente Bom dia porque você obviamente não dormiu comigo.- Eu digo
-Bom dia.- Eles dizem em uníssono.
Dave alcança uma cadeira de outra mesa e coloca na nossa frente.
Spencer solta minha mão
-Senta, vou pedir alguma coisa pra nós.  – Ele diz.
-E ai  como foi a noite? – Morgan pergunta balançando as sobrancelhas
-Foi boa considerando que você trocou os quartos e nos colocou num que tem uma cama só. -Digo olhando Spencer esperar na fila para fazer nosso pedido.
-Então foi por isso que eu dormi num quarto de duas camas? – Diz Aaron chegando.
Emily desvia o olhar do copo de café que está tomando e encara Morgan
-Você não fez isso.- Ela diz.
JJ está rindo horrores e Dave tem uma expressão divertida.
-Ele fez.- Digo séria.
Aaron dá um sorriso pequeno.
-Você não tem jeito não é?- Pergunta.
-Eu vou contar a Garcia. – Digo.
Morgan se ajeita na cadeira e me olha
-Você não faria... Você faria.- Ele diz vendo minha expressão.
Spencer volta até nós e puxa outra cadeira,  Hotch faz o mesmo e em alguns segundos eu tenho os dois sentados ao meu lado.
-Já? – Pergunto.
-Sim, não pedi muita coisa. Dois cafés pretos e seu cappuccino. – Ele diz pegando minha mão sobre a mesa.
Os olhos de Hotch seguem o movimento.
-Já contou a eles?- Spencer me pergunta e eu não entendo – Sobre o pacote que aquele homem te mandou ontem.
Fico furiosa.
Arranco minha mão dele e me levanto.
-Que pacote?  - É a última coisa que eu ouço antes de sair andando.
Fico brava com ele porque nós conversamos sobre isso ontem e concordamos em não dizer nada, aí ele dá uma de desentendido e “solta” uma pergunta dessa no ar.
Furiosa.
Eu andei rua abaixo vermelha de ódio, sem olhar realmente o que estava em volta.


Aaron Hotchner

Eu a assisti sair do café furiosa e vi todos na mesa partilharem da mesma confusão que eu.
-Que pacote? – JJ pergunta.
-Ela recebeu uma caixa com um lírio, e um cartão do tal John Doe. – Spencer diz se levantando.
-Aonde você vai? – Dave pergunta
-Vou atrás dela. – Ele diz.
-Deixa que eu vou.- Digo levantando e arrumando o paletó.
-Mas ...
-Spencer ela ficou brava com você, vocês vão acabar brigando. – Eu digo. – Vou falar com ela, e traze-la aqui.
Eles me olham estranho mas eu não espero uma palavra de ninguém, vou atrás dela.
As ruas estão relativamente cheias, mas eu consigo ver a camisa azul com o nome REID atrás descendo a rua rapidamente.
Sigo-a até uma praça, ela se senta num banco e eu estou vários metros atrás de pé.
Os ombros dela se curvam e as mãos dela cobrem o rosto.
Decido me aproximar.
-Sarah.- Chamo devagar.
Ela levanta a cabeça e eu vejo os olhos vermelhos de lágrimas.
Ela funga baixo.
-Vai embora Aaron. – Diz.
Eu me sento do lado dela no banco.
-Você quer falar sobre isso?
-Não.  – Ela diz escondendo o rosto de novo. -Eu só acho engraçado que... Ele falou pra mim ontem, eu pedi Aaron, eu pedi pra ele não contar nada... O Spencer não sabe porque eu continuo ignorando isso, e eu gosto demais dele pra arrasta-lo pra essa bagunça.  – Ela desabafa falando rápido.
Eu penso sobre ela aqui.
Sarah é sempre tão centrada e tão correta, tão criativa e tão vivaz.
-Sarah... Se você gosta dele você tem que contar, eu só sei o que é porque Gideon me falava de você. Mesmo assim ele nunca me disse tudo. – Eu digo passando a mão no ombro dela.
-Aaron eu... Gideon me ajudou a superar aquilo, e depois ... Quando eu perdi o Marco ele estava lá, me mandando as cartas e me fazendo lembrar que valia a pena viver. – Ela me diz olhando fundo nos meus olhos.
Sinto as lâminas castanhas cortarem minha alma.
-Você tem medo que aconteça de novo não é?  -Pergunto a ela.
-Me paralisa, Aaron eu perfilei você da primeira vez. Quando minha cabeça saiu de órbita Gideon disse que eu fizesse seu perfil, ele disse que você era difícil e que eu ia ficar ocupada por dias. E eu realmente fiquei. – Ela diz – E agora? Eu vou fazer o perfil de quem?
Eu penso nela fazendo o meu perfil só por que Gideon pediu.
- Você já superou uma vez, e não importa o quanto você tema ou empurre isso pro fundo da sua cabeça você nunca vai esquecer. – Eu digo passando o braço em volta dela. – Você foi Sequestrada, estuprada, torturada, quase morta e ainda viu o seu namorado explodir em pedaços na sua frente. Essas coisas deixam marcas, e você vai sobreviver de novo.
-Eu sobreviver?  Eu não quero enlouquecer Aaron, não de novo. – Diz pra mim séria.
-Sarah, esse cara pode ser só um stalker. Você estava sozinha da primeira vez, mas agora você tem a mim... Você tem a nós  e não vamos deixar nada acontecer com você.  – Digo apertando mais o abraço – Não fique nervosa com ele, Spencer só queria ajudar.
-Eu sei... Mas o nosso trabalho não deixa espaço por esses problemas, e eu não quero ninguém preocupado comigo. -Ela diz secando as lágrimas.
-Nós sempre nos preocupamos, nós cuidamos uns dos outros. – Eu digo a simples verdade – A nossa equipe é uma família.
Ela solta uma risadinha.
-Eu já ouvi isso.
- É mesmo? De quem?
Ela sai do meu abraço e passa os dedos nos cabelos.
-Leroy Jethro Gibbs.- Ela diz dando de ombros e eu imediatamente sei por que ela riu. – Vocês se parecem sabia?
-Você já trabalhou com o Gibbs ?
- Isso o Gideon não te contou? – Pergunta ela
-Não,  mas você vai me contar no caminho de volta pra  cafeteria por que eu não lembro o caminho.- Digo sorrindo.


Spencer Reid.

-Spencer fica calmo, ela está com o Hotch. Está bem. – JJ disse pela milionésima vez.
Eu sabia que ela estava bem, a preocupação era porque ela saiu daqui furiosa comigo.
Eu sei que ela não queria que eu contasse mas fiquei realmente preocupado com esse John Doe,  e querendo ou não me lembra a Maeve e aquela mulher.
Eu só queria que ela contasse pra ficar mais segura, pra que nós pudéssemos ajudar
-Isso é amor JJ, você não viu como ela saiu daqui brava? O pretty boy está preocupado com o coraçãozinho dela. – Morgan diz.
-Ele gosta dela, e é natural que fique preocupado Derek. – Emily diz mordendo um cookie.
-Eu tenho experiência com isso... E se ela for igual as minhas ex você logo vai ter notícias dela. Mas Sarah não parece ser assim, então eu aposto que a raiva vai passar e vocês ficaram bem logo logo. – Dave diz mexendo o café na xícara.
Eu dou um gole no café frio e a sineta da porta toca.
Ela e Aaron vem abraçados, ele tem um braço sobre  seus ombros e ela sorri com as bochechas coradas.
-Ele é igual você,  um tipo paizão. – Ela cutuca o peito dele sorridente.
-Paizão? – Hotch abre um sorriso enorme.
-É a primeira vez que eu o vejo sorrir assim. -Morgan murmura
-Você chamou ele de paizão mesmo? – Dave sorri.
-Chamei. – Ela dá os ombros.
-Você está bem? – Pergunto a ela quando a vejo se sentar do meu lado.
-Eu fiquei brava, me desculpe. Eu entendo porque você fez isso, e se fosse com Jocelyn eu também teria feito, eu só não estava pensando direito tá?  - Ela diz rápido e eu aceno com a cabeça
-Eu me preocupo com você, e se você quiser ajuda eu vou estar aqui. – Digo pegando a mão dela.
Hotch olha o relógio e caminha até o balcão.
-Ei ei bonitão!  NÓS vamos estar aqui. – Dave diz e todos na mesa concordam
-Você quer dizer pra eles?
-Eu acho melhor você contar Sarah, eu não saberia ... O quanto você quer contar... -Digo brincando a com a bolinha que estava no meu bolso.
-Eu recebi outro “presente” do homem, o bilhete dessa vez me assustou. – Ela diz, e as cabeças olham pra ela – Era uma das minhas músicas favoritas, uma que eu não canto. Em nenhuma hipótese, eu gosto dela de verdade mas não canto porque ela tem um peso grande demais pra mim.
-E que música é? – Emily pergunta.
-Tu ombre. É a música de ele cantava quando vinha me ver, era o que ele sussurrava no meu ouvido a noite. Meu pai cantava pra mim, antes de alguém caça-lo e mata-lo na nossa casa. – Meus olhos se arregalam – O homem que o fez me sequestrou, me estuprou e me cortou até a quase morte. A NSA pegou ele. Mas esse homem mandou um pedaço da letra pra mim.
Eu estou estupefato com as palavras dela, eu não sabia disso e fico sem saber o que fazer.
É nessa hora que Hotch volta com um copo de Cappuccino enorme cheio de chantilly por cima e outro simples de café preto.
-Você contou?  - Ele pergunta estendendo a ela o copo de Cappuccino.
-O mesmo que você sabe Aaron. – Ela disse.
Ele acena um positivo
-O mesmo que ele sabe? -Pergunto – Você contou a ele, mas não tinha contado pra mim?
Fico incomodado com isso.
-Eu... Não...Não-  Ela se atrapalha com as palavras. – Eu nunca contei, depois de todo esse tempo foi o Gideon. Ele continua me salvando, ele continua me colocando no lugar certo. Ele contou ao Hotch o mesmo ou menos do que vocês sabem.
-E nunca pensou em me dizer?
-EU NÃO DISSE PRA NINGUÉM QUE EU AMASSE, NEM JOCELYN NEM MATTHEW – Ela gritou chamando atenção de muita gente.
Penso sobre o "Eu não disse pra ninguém que eu amasse" Será que ela me ama?
Empurro as pergunta pro fundo da minha mente por ora.
Hotch colocou a mão no ombro dela e deu um leve aperto.
Sarah se enfiou no copo de café,  se escondendo atrás dele e eu demorei pra ver as lágrimas caindo silenciosas pelo rosto dela.
A mão no ombro dela não saiu, nem quando ela começou a soluçar.
-Sarah me desculpe eu não.... – Eu digo pegando o copo das mãos dela e colocando mesa, eu a puxo pra mim e a abraço deixando a mão do Hotch cair solta.
Ela treme e chora ainda mais.
-Eu odeio isso.- Ela me diz
-Eu sei. – Sussurro na cabeça dela.
Hotch olha o relógio mais uma vez.
-O vôo...- Ele diz baixo.
-Sarah querida... Nós temos que ir..
Ela funga mais uma vez e sorri tristemente.
-Eu choro demais com você. – Ela diz
-Você é mesmo uma chorona pretty girl – Morgan finalmente se pronuncia.
-Eu ainda posso chutar a sua bunda naquele tatame – Ela pisca -Se você é o trovão chocolate pode me chamar de Tempestade  Pimenta.
A mesa toda vai as gargalhadas e eu fico admirado com a capacidade dela de mudar a situação ao seu favor.
-Vamos! -Hotch chama e nós estamos indo pegar o jato pra casa.









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Quem gostou?

Alguém ficou confusa ou ficou mais esclarecida com o POV do Hotch?
Quem curtiu o ciuminho do Spencer?
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Até a próxima pessoal ❤❤❤

Quebrados / Trilogia Amores Livro I Where stories live. Discover now