Capítulo 7

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Ricardo:
   
    Chego em casa mais acabado do que jamais estive. Mas minha cabeça não me deixava em paz.
Como é possível eu nunca tê-la beijado, e ficar obcecado por seus beijos?

Como explicar para meu corpo, que nunca sentiu o dela, que não faz sentido sentir necessidade de algo que nunca se teve?

Para um homem que, muitas vezes se viu dominado pela fúria, eu me via como um bagaço de laranja depois de mastigado, um caco de vidro estraçalhado, estava subitamente, inevitavelmente e alucinadamente ferrado.

-- Eu não acredito que você deixou aquele grandalhão te surrar, afinal o que deu em você? -- meu irmão não me deixava em paz.

Ele me encarava com aquele olhar de preocupação, velado por censura. Olho para ele como quem diz: “Não enche!” me volto e vou embora passando pela Marta na porta,
que me encara preocupada.

Odeio pessoas preocupadas comigo, como se eu precisasse disso pra saber que minha vida era uma merda, com certeza meus ferimentos doíam mais em mim que neles.

Olhares de pena me deixavam nervoso, me deixavam com raiva. Era o tipo de raiva que me fazia chutar cachorro pulguento na rua para que eles parassem com a pena e passassem direto para o horror total.

-- O que aconteceu com ele...? -- Ouço minha cunhada perguntar, a minhas costas.

Subo correndo a escada e me tranco em meu quarto, depois de fazer uns curativos eu pego meu celular. Preciso ligar para alguém urgentemente.

-- Alô? Oi linda, preciso espairecer um pouco, você está disponível essa noite? Ótimo. Eu passo ai pra te pegar.

Pronto, está feito.

                       ***

Anelise:

-- O que deu em você? -- minha irmã me perguntou sem me olhar, de onde estava do outro lado da bancada de nossa cozinha.

-- O garoto não ligou! -- minha mãe respondeu primeiro que eu do banheiro, onde colocou a cabeça para fora.

-- Ah, o Ricardo não deu sinal de vida ainda? Você acha que ele tá com medo de você o perseguir com seus cotovelos desastrados e o atacar novamente? -- Anabel faz troça.

Nesse momento minha
mãe sai do banheiro com a toalha no cabelo e só. Deus! Será que minha loucura é de família? Sei que já era para eu ter feito esse questionamento a muito tempo, mas acredite ou não, essa é a primeira vez que ela faz uma coisa dessas.

-- Mãe!!! -- minha irmã e eu, dizemos em uníssono.

-- O que? Não me digam que estão escandalizadas. O que eu tenho vocês também tem.

-- Ninguém merece ver a própria mãe nua. -- minha irmã fala, sem olhar para nossa mãe, afinal não precisávamos ver a sena duas vezes.

-- Ah, por favor mãe, vá se cobrir.

-- Tá, tá, tá. Mas antes tenho que dizer: você não pode ficar ai desse jeito para sempre.

-- Que jeito?

-- Você fica ai feito uma songa monga pela casa. Se eu perguntar você nem lembra o que comeu de café da manhã. Você pode tomar suas decisões mas também tem de aprender a conviver com elas.
-- Mamãe, eu... -- ela me cortou com um gesto de mão.

-- Olhe para você! Você tomou banho hoje?

-- Eu...

-- Não, não me responda. É claro que não, olha só para você. Vá.

Por que fadas não existem? Onde histórias criam vida. Descubra agora