Capítulo 3

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Ricardo:

Olhei diretamente em seus olhos dessa vez. Ela segurou meu olhar, desafiadora. Fazia mais de meia hora que estávamos na recepção do consultório psiquiátrico esperando para sermos atendidos.

Quando cheguei, ela já estava lá, sentada em um dos três sofás de cor branca, existente na recepção. No momento que sentei no sofá paralelo ao dela, eu a reconheci. Era a mesma mulher que eu vi no outro dia saindo do consultório.

A mesma que ficara me encarando com aquele olhar de quem se pergunta "Quais dos profissionais será que ele veio ver nesse prédio?"; "Que tipo de tratamento ele faz?" Ou ate mesmo "será que é perigoso?", perguntas que muitos se perguntam o tempo todo.

As pessoas ficavam com medo, pois se eu me tratava com um psiquiatra ou psicologo eu, consequentemente tinha algum problema; o que não era inteiramente mentira, sejamos honesto; todos ficavam com medo de que o grandão aqui tivesse um ataque e acabasse machucando alguém; coisa que, novamente, não fica longe da verdade.

No momento a mulher, de longos cabelos negros, calça jeans, regata desgastada e mochila, encarava-me com seus enescrutáveis olhos caramelados. Talvez tentando adivinhar meus próximos passos.

Estaria ela com medo?

Se sim, sabia esconde-lo bem. Em meio a nossa troca silenciosa de olhares meu celular começa a tocar, e tenho que enterromper nossa ligação para pegá-lo no bolso da calça. Depois de alguns segundos lutando com o aparelho de última geração que meu irmão insistiu que eu usasse, finalmente consigo atender.

-- Alô? -- atendo mal-humorado. Meu irmão ligava para perguntar se eu havia chegado bem, e se estava tudo certo.

Era a primeira vez que vinha sozinho ao consultório, pois ele teve um compromisso importante, marcado de última hora na concessionária onde trabalhava.

Ele só estava me conferindo.

A recepcionista, que não estava no seu posto quando cheguei, surgiu de repente na recepção.

-- Sr.Roland? -- ela me chama.

-- Sim?

-- Sua consulta será em alguns instantes, senhor.

Vejo a cara de indignação da mulher no outro sofá, afinal ela estava ali a mais tempo, e ainda não fora chamada.

Antes que ela fale qualquer coisa seu celular toca enchendo a recepção com um rock pesado na maior das alturas.

                      ***

Anelise:

Aquela recepcionista ouviria  umas poucas e boas minhas, mas bem na hora que eu estava prestes a abrir o verbo, minha bolsa fica viva com o celular vibrando e tocando estridentemente.

O cara gigante e forte que me encarava a mais de meia hora, de repente me encarava incredulo, e a racepcionista babaca tinha aquele olhar de "mais uma sem noção".

O que queriam, afinal? Isso aqui é uma crinica para desequilibrados, certo?
Pego o celular mais o rápido possível, trabalho não tão fácil, já que minha mochila estava uma bagunça.

Quando o alcanço mais um problema: Como se atende esse troço?

No outro dia eu perdi meu celular de última geração; perder é só jeito de falar, certamente o roubaram. Então, como meu irmão estava em casa e ele tem alguns desses troços velhos de souvenir, ele me deu um.

Mas parece que o cara de quem ele apreendeu esse, tinha um gosto meio duvidoso.

Finalmente consigo atender o bendito. É minha mãe, me pedindo para passar no mercado na volta e comprar sal, era sempre assim, só nos lembrávamos de comprar sal quando ele acabava.

Depois de outra luta para desligar, eu "gentilmente" joguei o celular na mochila. Meu irmão me pagaria por ter me feito passar esse mico. Ah, se pagaria! E bem caro.

O cara a minha frente, ainda me encarava, sem ao menos disfarçar, e da recepcionista nem sinal.

-- O que tá olhando? -- perguntei, com a minha melhor cara  emburrada, o encarando de volta.

-- Nada, nada. -- ele falou desviando o olhar. Mas, quando eu já me virava para o lado oposto ao dele, ele me pergunta:

-- Então você curte um rock pesado? -- Ele falou a frase com um sorrizinho de lado, de troça, que tentava esconder.

-- É. -- minto. Afinal não era da conta dele o que eu gostava ou deixava de gostar.

-- Qual a banda que você mais gosta?

-- Hã... Linkin Park -- agora deu, os únicos rock'n'roll que eu conheço é essa banda e a Evanescence. Não que eu não curtisse, mas, não muito.

-- Bom. Qual a música que você mais curte?

-- Ah, vai te catar. -- quem esse cara pensa que é? Eu escuto o que quiser, meu celular tem o toque que eu quero.

E mesmo não sendo assim, nada disso tem a ver com esse insuportável.

-- Então? Esse celular é seu mesmo? -- ele me pergunta tentando se fazer de inocente, mas seus olhos tinham um sorriso zombeteiro. Meu Eu interior estava sendo testado.

-- Claro que é meu. Você tá dizendo que eu roubei ele? -- O desafio com o olhar. Ele que ousasse falar mais alguma coisa, e eu não me responsabilizaria pelas consequências.

-- Não quis dizer que você tenha roubado. Talvez tenha pegado emprestado do seu filho, sei lá.

  Aquele sorrizinho iria se apagar em um instante, ah, se ia.

Olhei ao meu redor procurando alguma coisa para jogar naquela cara de pau.

-- Não precisa ficar irritada. Veja só, como o celular é mesmo seu, o que acha de trocar com o meu?

-- Trocar? -- qual era a trama desse cara? O celular dele devia estar só o caco.

-- Olha. Tá novinho.

  Ele me mostra um celular de última geração, que aparenta ter acabado de sair da loja.

-- Pega, pode mexer nele. Meu irmão comprou ele pra mim essa semana.

-- Seu irmão? -- Iii, um daqueles que eram cuidados pelos parentes.

Onde fui amarrar meu jegue?!

Certamente, ele não sabia nem o que estava fazendo. Pego o celular, e mexo um pouco nele. Parece está tudo certo. Só travado de tanto erro. Seria uma coisa feissíma aceitar essa troca, não é mesmo?

Bom, esse cara me irritou a beça, porque não aceitar sua oferta? Afinal, se ele precisa de supervisão, por que não estava sendo supervisionado?

--Tá bom, vamos trocar.

Por que fadas não existem? Where stories live. Discover now