Capítulo 2

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Anelise:

Ao terminar a seção com a psicóloga, pego minha bolsa e me mando, quase aos tropeços da sala. Procuro meu celular enquanto ando.

Deus me livre de psicólogas
chatas, e de suas perguntas repetitivas!

Ainda procurando meu celular na bolsa, quase tropeço na porta giratória do prédio, que se abria no momento.

Dois caras enormes entravam apreçados, no momento. O primeiro passa direto, mas o segundo fica me encarando com aquela cara de quem se pergunta qual o meu nível de loucura.

Mas, o que eu esperava indo fazer consulta em um lugar onde haviam psicólogos e psiquiatras aos montes?

Veio-me uma vontade louca de mostrar a língua para aquele cara chato, mas me controlei. Não podia dar mole tão perto de minha psicóloga, seria pedir demais que não fosse pega, afinal, a má sorte sempre me rodeia.

Em vez de mostrar a língua
ao cara, eu simplesmente paro de procurar o celular e saio do prédio sem olhar para trás.

Desta vez, Deus me ajudou e eu não me espatifei no chão. Isso costuma acontecer com bastante frequência, quando estou nervosa ou com raiva. Andei por três ruas até
encontrar um ponto de ônibus.

Infelizmente o salário que ganho, como vendedora de uma das lojas do Shopping local, não é suficiente nem para pagar todas minhas contas, e pegar um táxi, então? Nem em sonhos! Até porque, em meus sonhos eu só me ferro; assim como na vida real.

No ônibus tive a sorte de encontrar um assento vago; "sorte" de quem estaria do meu lado, já que eu me esqueci de colocar desodorante, com a pressa de sair de casa. Já sentada, peguei o celular e liguei para minha irmã, mas quem atendeu foi o Douglas, meu cunhado.

Anabel havia saído para ir ao supermercado, e pelo que eu conheço dela, demoraria bastante, já que ela aproveita ao máximo as chances que tem de deixar o filho aos cuidados do pai.

Agora eu precisava ir para o trabalho, não daria tempo de passar em casa, então terei que resolver o problema de está a manhã inteira sem desodorante no trabalho mesmo.

Está sem desodorante não seria uma coisa ruim, se não estivesse em um ônibus lotado, em um calor de não sei quantos graus -- afinal não sou dessas pessoas inteligentes que sabem os graus sem olhar um termômetro.

Depois de meia hora em um ônibus apertado que parecia mais uma lata de sardinha; daquelas bem pequenas e baratas; em um transito
infernal, eu finalmente chego no shopping, e é só entrar no ar-condicionado da loja que eu percebo o tamanho do meu problema.

Eu estava lateralmente fedendo viva! Necessitava urgentemente me trocar e tentar, a qualquer custo, disfaçar minha inhaca antes que a gerente da loja me visse.

Ela não ia com a minha cara, na verdade não ia com a cara de ninguém, mas isso não vem ao caso, o caso é que se ela me visse agora, ela com certeza me reprenderia na frente de todos, e eu daria um dedo de minha mão, como ela me mandaria tomar um banho.

A víbora!

Com o olhar, peço paciência a meus colegas de trabalho ao passar por eles e entro, quase correndo no banheiro. Felizmente a senhorita Carla víbora da Fonseca não estava me esperando na porta, o que eu tenho certeza, ela seria capaz de fazer.

Só tem um banheiro para funcionários, o que várias vezes dificulta as coisas, para meus colegas e para mim. Mas, como essa manhã eu estava contando com uma sorte duvidosa, desde que sai do consultório, o banheiro estava vazio.

Já dentro, coloco minha bolsa em cima da bancada da pia e tiro minha blusa.

"E agora o que faço? O que faço? Sem desespero, Anelise, você consegue!".

Pego algumas toalhas de papel e as umedeço na água da torneira, depois passo um pouco do gel para mãos, nas axilas, e repito o processo três vezes em cada uma. Acho que isso resolve um pouco.

Visto a blusa, que é usada como uniforme, uma coisa horrenda, amarela mostarda com o slogan da loja de roupas do lado esquerdo.

Como sou magra e não tenho busto, fico parecendo um boneco de Olinda.

Limpo a bagunça que fiz em cima da pia, pego minha bolça e saio do banheiro. Nem pisco quando encontro a Carla me esperando do lado de fora.

-- Carla. -- a saudei.

-- Anelise, sua licença especial da segunda-feira diz até meio dia. E que horas são?

Não tento nem responder, não uso relógio e mesmo se usasse não diria as horas, já que o que ela quer é jogar em minha cara que estou atrasada. Olho para ela com minha cara mais inocente possível, e tento me defender:

-- É que, o transi...

-- Não quero ouvir suas desculpas. -- ela me corta. -- Não me importo se um caminhão tombou na estrada, atrasando sua chegada, ou se
algum parente estava no hospital. Essas desculpas guarde para outras pessoas. O que diz respeito a você e a esse trabalho, está escrito em seu contrato que você chegará ao meio dia nas segundas.

Não podia dizer que tinha mudado de psicóloga, e que a mulher ficava quase do outro lado da cidade.

Não daria munição para ela e para os outros me detonarem mais ainda. O único que sabia, e que continuaria sabendo seria meu chefe.

Ele era um bom homem e
amigo de minha tia paterna Patricia, sei que se eu fosse reclamar da Carla para ele, pediria para ela me deixar em paz, mas eu não abusaria de sua bondade ainda mais, já bastava ele ter dado trabalho para uma pessoa desequilibrada como eu.

-- Vá para seu posto, não deixe nossas clientes esperando.

-- Sim, Carla.

Enquanto ela me fulmina com o olhar, vou atender as clientes que esperavam no provador.

Do jeito que estou, se uma das clientes quisesse roubar algumas peças de roupa, eu deixaria passar numa boa.

Quatro horas depois percebo que deveria ter comido no ônibus, pois não teria parada para almoço para mim hoje.

Com a barriga roncando, lanço olhadelas pela loja, vigiando o paradeiro de Carla, e para minha bolsa atrás dos balcões, onde fica os armários dos funcionários.

Como não a vejo a vista, vou o mais rápido possível para os balcões e fico atrás deles.

Lanço um olhar de aviso a mocinha que ficava ali, e sem olhar para baixo do balcão, tateando encontro minha bolsa e os biscoitos recheados dentro dela, abro o pacote e pego um, e desfaçadamente o enfieio na boca.

Faço isso com todo o pacote, até que chego na última, e penso que estou salva.

Engano meu, com um biscoito inteiro ainda na boca, aparece-me a Carla com uma cliente, e a joga para mim. Com gestos de mãos peço para a senhora me seguir ao provador.

Como mastigar todo o biscoito sem que ninguém perceba?

Fui molhando ele e esperando que a saliva fosse amolecendo. Faço um gesto para que a senhora se sente no sofá do provador e peço para que espere com outro gesto de mão.

Que Deus me ajude e a víbora não apareça agora!

Aproveitei para engolir o resto do biscoito, enquanto pegava as roupas para a senhora provar. Volto para seu lado, sorrindo-lhe.

A auxiliei até o fim, e quando achei que acabaria tudo bem, a senhora me para antes de ir, e me diz com um sorrisinho zombeteiro:

-- Da próxima vez escove os dentes antes de vim trabalhar, menina. -- sugere altiva.

-- Ah, sim. Claro. -- digo, cobrindo a boca com a mão.

Mulherzinha desprezível!

Logo que tenho a dispensa, para completar meu dia,  Percebo que havia "perdido" o celular.

Argh, que ódio!

Por que fadas não existem? Where stories live. Discover now