Desliguei o celular e saí do metrô. Peguei as escadas rolantes e segui em direção ao meu consultório e a mais uma semana de trabalho.

Psicologia sempre foi minha paixão. Cuidar das pessoas, da forma que fosse, era uma prioridade em minha vida. Quando criança, minha mãe dizia que "devemos amar a todos como Jesus quando desceu a esta terra amou. E se um dia disserem a você que uma pessoa tem mais valor que outra porque ela é isso ou aquilo, lembre-se: Jesus não escolhia amigo. Ele era amigo de todos, não importava quem eles fossem. Ele era querido por isso. E sabe por que ele era querido? Porque ele transbordava amor, e todos que estavam perto dele sentiam isso. Ele sabia ajudar e estava pronto para dar a mão ao seu irmão, sempre".

Cresci com esses princípios, e encontrei na psicologia um modo de ajudar as pessoas. Levar amor como Jesus um dia levou. Levar paz a todos que precisassem de um ouvido para ouvir tudo o que quisessem falar. Àqueles que de algum modo necessitavam de atenção e carinho.

Caminhei em direção ao consultório, sentindo o frescor do vento frio acariciando minha face. Era maio, e o clima estava ameno e do jeito que eu apreciava. Gostava demais do clima de São Paulo. Se não fosse uma cidade tão poluída e insana, poderia dizer que nunca iria querer me mudar.

Nasci e morei minha juventude inteira bem longe de toda essa agitação frenética. Uma paraense da capital. Lá em cima do mapa. Uma rota bem longe. Sim, eu estava muito, muito longe de casa. Estava em São Paulo há quase cinco anos, praticamente o mesmo período em que conheci Guilherme. Um pouco mais, na verdade.

Sentia falta do calor da cidade natal. Dos abraços dos amigos. "Aqui as pessoas não se tocam. Não se abraçam. Abraço é de graça. Qual o problema com eles?", lembrava-me de ter dito uma vez, logo que cheguei à cidade para estudar minha pós graduação na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. A minha amada Fmusp, no Hospital das Clínicas. Eu sentia falta da comida. Nossa. Culinária paraense sempre seria a melhor para mim. Não haveria outra, estivesse onde eu estivesse.

Sentia falta do açaí verdadeiro, tomado na tigela com açúcar e farinha de tapioca. Eu não suportava tomar esses vendidos feito suco, - mais água que suco - ou com granola e frutas. Até tentei. Confesso. Tentei e experimentei os de vários lugares. Era doce demais para o meu paladar. Para mim, ele perdia totalmente o sabor. Sentia falta do doce de cupuaçu, que minha mãe fazia questão de trazer toda vez que me visitava. E sentia falta principalmente do tacacá, que os paulistas não faziam ideia do que era, mas que poderia combinar perfeitamente com o inverno.

O tacacá, tradição das quatro horas da tarde em diante. Fosse o da Estação das Docas, do Nazaré, da Duque, da Portinha ou de qualquer outro lugar. Servido em uma cuia, com tucupi, um líquido amarelo e ácido, extremamente saboroso. Jambu, uma folha típica da região do Pará, uma erva também conhecida como agrião-do-Pará. Era uma erva bastante famosa por fazer tremer a língua e os lábios de quem comia. Havia ainda uma goma feita de tapioca entre os ingredientes, talvez utilizada com o intuito de cortar a acidez do tucupi e vendido tradicionalmente com camarão rosa.

Era principalmente disto que sentia falta, do famoso tacacá da tarde. Da tapioquinha do Mosqueiro ou a feita em casa, com queijo, doce de leite, queijo de búfala do Marajó, ou a molhada com leite de coco e coco ralado. Da pupunha no café da manhã, um fruto servido quente e cozido. Do suco de cupuaçu ou do creme de bacuri, a fruta nobre e a mais saborosa que existia, frutas essenciais no tradicional bolo Maria Isabel.

Sentia falta da chuva sempre presente. Aquele cheiro de grama recém cortada que ficava mais intenso com as gotas de água caindo sobre minha pele. Sentia falta de passear pelo Parque da Residência, onde podia aproveitar e tomar um sorvete de tapioca com flocos no bondinho da Cairu. Que eu acho que já nem existia mais. Ou então passear pela Estação das Docas e sentir a brisa de frente com a Baía do Guajará.

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⏰ Última atualização: Jul 06, 2017 ⏰

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