O Roubo da Chuva

34 1 0
                                    

A tempestade causava medo e destruição. Fúria era sua descrição. Levará seis mortos até agora nesses últimos dias, várias casas foram destruídas, três pessoas estavam desaparecidas. O tempo estava anormal, assustador.

Argemiro não saía de seu quarto, lá o barulho da chuva era menor. Nunca ficará tão amedrontado assim na vida. Numa noite, em meio a tempestade, o vento devastador descobriu grande parte da telha fazendo cair o céu medonho dentro de casa. A maior parte da casa foi totalmente destruída. A árvore de amoras atrás da casa caiu estraçalhada ao ser atingida por um raio que iluminou o lugar inteiro. Animais morreram naquela fazenda.

No dia seguinte, em baixo de chuva fraca, Argemiro tivera que ajudar os pais a repararem os grandes danos, de noite os três dormiram na mesma cama de casal que fora arrastada até o quarto de Argemiro. Joaquim trabalhou no outro dia em baixo da tempestade, estava furioso, Arminda sentia medo pois ele praguejava contra a chuva, mas naquele dia nada de mal aconteceu.

Os próximos dias só pioraram, o número de mortos já chegavam a doze no estado e cento e cinco no Brasil. Haviam trinta desaparecidos no Brasil inteiro. Fora os deslizamentos e as inundações que ainda não tiveram uma base concreta de dados. O mundo estava acabando aos olhos de Argemiro.

Dez dias de sofrimento, dez dias de caos, dez dias de terror. Décimo primeiro dia, Argemiro ficará sozinho em casa, a chuva era forte, mas normal, seus pais chegariam tarde, foram pedir ajuda pois a fazenda estava totalmente destruída. Estava deitado na cama olhando o objeto misterioso. Se lembrava das histórias que seu pai contava quando tinha dez anos. Histórias de Urucuru.

Pensava no que Anhangá havia lhe dito.

Sim. Era Anhangá. Tinha certeza. Ou talvez fosse apenas ilusões. Acreditava ser a segunda hipótese. Foi um acontecimento muito estranho, será que estava sonhando?
Anhangá, Rudá, Anta Cachorro, Cumacanga, Matinta Pereira. Tudo isso era um absurdo, nada disso deveria existir. Mas então porque aquela pequena caixa de madeira estava em suas mãos?
Aquilo era muito real, um material físico, perigoso. Olhando bem, diria ser uma caixinha de fósforos. O que continha dentro era um mistério para ele, diziam ser uma escrita dos tempos antigos.

Muitos e muitos anos depois do filho de Urucuru e de seu neto viverem, o filho deste neto fizera uma criança numa negra e desta criança vieram muitas gerações. Já nos tempos dos escravos, um índio negro, grande e forte, descendente de gerações, foi capturado e preso, após uma guerra entre uma tribo e um coronel. Antes de ser pego, escondera a caixinha num lugar secreto recuperando-o décadas depois em sua fulga, fizera um filho numa índia e passará a caixinha ao filho antes de morrer, dizia ele ao filho que não o abrisse, nunca, jamais, assim como receberá as ordens de seu pai que os recebeu do pai dele, seu avô. O menino cresceu e deu continuidade à história.

Esta era a história que Argemiro ouvirá de seu pai, a partir dalí a história se perdeu no tempo, junto a caixinha. Era o que diziam a Argemiro, Mas agora a caixinha estava bem ali, nas suas mãos.

Seria a mesma caixinha?
Se lembrou de cada palavra de Anhangá.

" Não à leve, é uma maldição."

"... conheço seu cheiro...é filho de Urucuru, seu sangue tem o mesmo cheiro... não... não é, já se passaram séculos... é um descendente."

" Você irá ler a escrita, quero que liberte a sua mente e seu corpo... Ao ler a escrita, você irá carregar um fardo nas costas...Leia..."

Era a mesma escrita que fora perdida a gerações em qualquer família do Brasil, poderia estar com qualquer outra família, mas estivera na sua o tempo todo e António, seu tio, era o responsável. Só não sabia que tinha sangue de índio, e que era descendente de uma lenda contada para fazê-lo dormir.

A chuva piorava cada vez mais, já era noite, nada de seus pais chegarem, a tempestade era como o furacão, vinha destruindo tudo o que encontrava no caminho.

Derepente começou a escutar
estalos nas telhas, um vento muito forte as levantou fazendo-as cair destroçadas em sua cabeça. Metade do que restava fora levada pelo vento terrível, a chuva caia agora em cima de Argemiro, não se tinha mais para onde esconder. A tempestade furiosa estava ali diante dele, sobre ele, causando pânico e medo.

Relembrou toda a história de Urucuru. Era daquilo que se tratava. O índio roubou a temível chuva prendendo-o numa árvore. Não tinha nenhuma árvore por perto, as que tinham foram destruídas.
Mas tinha uma caixinha em suas mãos. Era como se fosse de fósforos, ele o abriu e dentro havia um tecido estranho, era um pedaço de pele humana, havia apenas algumas palavras numa linguagem estranha que não conhecia, tatuadas naquele pedaço de pele.

Antes que pudesse ler, o vento o arrastou para bem longe fazendo-o quebrar um braço e ralar o corpo inteiro, seu rosto só se via sangue. Mal conseguia se levantar de tanta dor no corpo, se não tivesse batido na árvore o vento teria levado direto para o rio agitado, um quilômetro depois de sua fazenda. Não sabia como estava vivo no meio daquela tempestade. Raios e trovões tentavam acerta-lo, o vento era terrível, a fúria da chuva era algo assustador. Argemiro estava em pânico, sabia que ia morrer ali, não conseguia se mover. O pedaço de pele humana ainda estava em suas mãos junto a caixinha. De repente uma dor muito forte veio em seu pescoço, conhecia aquela dor. Anhangá o havia mordido no quarto de Heitor, não sabia com que finalidade.

Argemiro tentou se levantar, inesperadamente conseguiu, sua perna fraturada se curava aos poucos, assim como todo o arranhão do corpo e o braço quebrado. Não conseguiu entender como aquilo era possível.

" Leia..."

Ouviu a voz de Anhangá em seus ouvidos, foi um sussurro. Argemiro sabia o que tinha que fazer. O trovão e o relâmpago estavam cada vez mais perto de si, o vento tentava-o arrastar para o mar agitado, e a chuva o castigava. Ergueu a mão para cima segurando a caixinha e tentou pronunciar tais palavras difíceis. Nada aconteceu. Tentou repeti-las em voz alta e dessa vez o sussurro de Anhangá o ajudou a pronunciar as palavras corretamente.

Argemiro sentiu o chão tremer, um raio poderoso, luminoso, veio em sua direção acertando a caixinha. Viu o mundo inteiro, o céu negro de nuvens devastadoras descer em sua direção, como se um tornado estivesse surgindo, fechou os olhos, era uma cena medonha, queria fugir mas seu corpo não obedecia seus comandos, seu braço esticado para o auto tremia de dor, não conseguia comanda-lo também. Aos poucos o chão ia diminuindo o tremor, assim como a chuva ia parando cada vez mais mansamente, o vento já não queria mais levá-lo para longe, e os raios e os trovões já não existiam mais. Quando o barulho todo parou e o tremor no chão também, Argemiro voltou a abrir os olhos. O céu estava limpo, não existia mais nuvens pesadas e muito menos a devastação que a chuva causava, o cenário ainda era de destruição, muitas árvores derrubadas, animais mortos em meio a estrada, vacas e cavalos possivelmente haviam sido arrastadas pelo vento para aquele lugar, parecia o apocalipse. Olhou para o rio centenas de metros atrás de si, estava totalmente calmo. Sua mão tremia, segurava algo muito pesado, fechou a caixinha.

Voltou para casa, era noite e a destruição estava em todos os lugares, em cada canto da fazenda. Não sabia que fardo iria carregar, não sabia que maldição viria a ele. Não tinha certeza de nada, mas sabia que a qualquer momento o começo de uma devastação ainda maior iria surgir. No momento que Argemiro roubou a chuva a consequência iria cair sobre o país inteiro.

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 03, 2018 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

Folclore Em Atividade - Livro 1Onde as histórias ganham vida. Descobre agora