– Camarada Shedritcheva, telefone para você.
Telefone? O que poderia ser tão sério para me chamarem no telefone da fábrica? E, aliás, quem poderia me encontrar ali? Seria Astrakhanov ligando para avisar que a ELI estava pegando fogo? "Nossa, Maria, o que tinha na sua comida?", questionei a mim mesma, espantada com a bizarrice da hipótese. Então ponderei se não seria uma armadilha de Ivan. Ele sabia que eu trabalhava ali, com sua irmã. E seria atrevido a esse ponto. Cogitei não atender. Mas se fosse ele, no fim das contas, era só desligar e não falar nada.
Todos esses pensamentos cruzavam por minha mente enquanto eu me dirigia ao escritório, e pegava o tubo que a mulher de cabelos castanho-claro me oferecia com ar entediado e levemente irritado. Encostei o fone ao ouvido, aproximando a boca do outro tubo:
– Alô – chamei, incerta.
– Alô, Masha?
– Pasha?! – eu exclamei, em choque. Lancei um olhar por sobre o ombro e notei que a secretária estava me observando sem o menor constrangimento, inclusive com uma sobrancelha erguida para a intimidade do apelido. – Pavel Ivanovitch, pois não, em que posso ajudá-lo? – corrigi-me, num tom bem mais contido, endireitando-me.
– Oi, tudo bem? Desculpa ligar, mas é que eu precisava falar com você urgente, e não daria tempo de mandar uma carta.
Não dá para negar que eu fiquei feliz com essa afirmação. Tínhamos trocado apenas uma carta, durante todo o mês de julho, e eu interpretara aquilo como um sinal de que minhas suspeitas eram fundadas. Como um jeito delicado de Pavel me afastar. Mas o tom tranquilo dele no telefone não dava nem pista disso.
– E o que era assim tão urgente? – perguntei. – Aliás, como você conseguiu me achar aqui? – sussurrei entre dentes, tentando evitar que a mulher na escrivaninha atrás de mim escutasse. Ela já tinha se desinteressado da conversa, aparentemente, e voltado para sua máquina de escrever, mas nunca se sabe.
– Lembrei do nome da sua fábrica e pesquisei na lista telefônica – ele respondeu, simplesmente. – Ióssif me deixou usar o telefone dele. A moça não queria te chamar, ficou fazendo perguntas, e eu disse que era sobre um prédio em que você tinha trabalhado aqui, e que tinha dado um problema, que você precisava dar um depoimento... Acho melhor falar alguma coisa nesse sentido no fim da conversa – recomendou, com uma risada esperta que era até difícil imaginar nele.
– Certo... – respondi, tendo trabalho para segurar meu próprio riso. A secretária estava me olhando novamente. Pigarreei. – Acredito que o senhor tinha outro assunto a tratar... – apressei.
– Ah sim! – Pavel lembrou-se. – Eu vou para Moscou semana que vem.
– Que? Como?
– O campeonato de atletismo. Acho que acabamos rogando praga sem querer aquele dia, sabe? Um dos competidores da equipe dos maquinistas quebrou a perna, e o técnico deles me chamou para substituir. Disse que gostou muito do meu desempenho nas eliminatórias. Estou treinando com eles todos os dias, depois do trabalho. Fui convidado apenas anteontem e não tenho muito tempo para me afinar com a equipe, preciso me esforçar ao máximo.
– Nossa. Nossa mesmo – exclamei, com dificuldade em expressar melhor minha perplexidade. – E o homem que se machucou está bem?
– Não. Além de quebrar a perna, perdeu uma chance dessa, claro que não está bem. Mas vai se recuperar.
– Como aconteceu?
– Não sei ao certo, parece que ele foi saltar do trem na estação, tinha bebido um pouco, e caiu na vala entre os trilhos. Sorte que tinha gente na estação que viu ele cair, e conseguiram tirá-lo de lá rapidamente, antes de o trem seguir viagem.
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Dias Vermelhos
Исторические романыEm 1933, o mundo estava como o conhecemos hoje: politicamente dividido, flagelado por guerras e recuperando-se de uma crise econômica sem precedentes. Os ânimos estavam inflamados ao ponto da selvageria. Maria Clara logo escolheu seu lado...
Capítulo 30 - O Couro Cabeludo
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