Prólogo

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Meu dia de folga está chegando ao fim. Julia chegou e já se apressou para sair de casa. Lembro-me dos meus primeiros dias em Nova York. Minha irmã e eu saíamos juntas todos os finais de semanas. Com o passar do tempo, senti que ela estava cada vez mais longe de mim.
Meu celular toca, trazendo-me de volta à realidade. Olho para a tela em cima da mesa, ao meu lado.
Atendo.
— Oi, mãe. Como está?
— Estou muito bem, Alicia. E como vai você e a Ju?
— A Ju saiu agora há pouco, mãe, e estou bem — digo, mexendo o garfo sobre o prato.
— E as notas dela? Como estão? — pergunta com um tom sério.
— Regulares.
Julia tem se concentrado muito em estudar sobre os instrumentos musicais e coisas que não entendo.
— Hum...
Escuto o estalo de chiclete. Ela finalmente resolveu parar de fumar. No fundo, eu sinto que há algo a incomodando. O celular vibra na minha mão no mesmo instante que levo um pedaço de frango à boca. Verifico a tela. Clark me ligando?
— Tenho que desligar, beijo.
Ouço um barulho do outro lado assim que desligo para atender a ligação do meu superior.
— Alô, senhorita Belmonte? — Percebo certo nervosismo em sua voz durante a pergunta. Respondo que sim. — Bom, meus parabéns, eu tenho um caso para você. Vá, agora, para a Academia de Artes de Nova York. É urgente!
Levanto-me apressada, coloco a ligação no viva-voz e sigo para o quarto.
— O que houve? — pergunto rapidamente. — Qual é a situação?
— O faxineiro encontrou uma aluna morta em umas das salas quando ia fazer a limpeza — falou, logo após desligou.
Visto-me rápido e pego meu distintivo. Antes de ir, escrevo um bilhete para minha irmã, avisando que saí por causa do trabalho.
Não demora muito e já estou na Academia de Artes. Vejo algumas viaturas e os policiais fechando o local. Há faixas de isolamento para que nenhum curioso entre. Mesmo assim, algumas pessoas param próximo da área. Estaciono o carro e vou direto até o policial Denis Morgan.
— O que temos? — pergunto ao chegar perto.
Percebo que ele está um pouco pensativo e cansado.
— Não acredito que o Clark te mandou aqui. Pois bem.
Denis me passa seu bloco de anotações.
Michele Stewart, 25 anos e estudante de música.
Eu que não acredito que só tem isso escrito. Devolvo o bloco. Denis parece mais bravo do que o normal ao falar pelo celular. Giro a cabeça para o lado e ouço as sirenes das viaturas.
Na porta da Academia, um policial conversa com um homem que segura uma vassoura nas mãos. Era um senhor magro e alto, de cabelos pretos com alguns fios brancos. Aparentava ter uns cinquenta anos.
— Com licença? — O policial e o desconhecido me olham. — Sou a detetive Alicia Belmonte, acredito que seja o faxineiro.
O policial mantém os olhos em mim enquanto o outro assentiu.
— Meu nome é Nicolas, detetive.
O policial logo se retira, deixando-me a sós com o faxineiro.
— Poderia me dizer exatamente o que viu hoje?
Seu rosto vira para a entrada da escola. Era possível sentir o desconforto ao se lembrar da cena.
— Foi horrível ver aquilo. Nunca, na minha vida toda, tinha visto tanto sangue e a menina estava lá. — Seus olhos marejam. — Ela segurava um violino e, quando cheguei um pouco mais perto, vi a garganta e os pulsos cortados. Fiquei com medo e um tanto apavorado de ter sido alguém que entrou e a assassinou. Sabe, há muita gente ruim que vaga à noite. Depois eu saí da sala, fui direto à diretoria, liguei para a polícia e, praticamente, me tranquei lá.
Observo o prédio alto.
— O senhor limpa o prédio todo sozinho? — pergunto surpresa.
Ele nega.
— Tem o Arthur, mas não estava em condições de vir. Sabe, ele não está passando bem.
Uma van aparece e, logo que a estaciona, vejo câmeras e um repórter saírem às pressas. Eles se preparam para gravar. No entanto, Denis e seu pessoal tentam manter todos do lado de fora. Em outro canto da faixa, uma mulher mais velha se acaba de chorar. A estudante poderia ser sua filha ou alguém muito próximo. Há mais gente chorando, outras abaladas, completamente em choque pela morte da estudante de música, e algumas pessoas somente lamentando pela morte de mais uma jovem. Fico pensando se minha irmã a conhece.
— Algo mais? — pergunta o faxineiro ao notar que estou olhando ao redor.
— Vocês têm câmeras de vigilância?
— Temos sim, mas tenho que esperar a chegada da diretora. Os guardas estão no horário da janta. Eu não tenho permissão e nem a senha para mexer nos computadores.
— Pois bem, você poderia me levar até a sala onde encontrou a estudante?
Ele concorda. Subimos lances de escadas e viramos em alguns corredores. Realmente é bastante colossal.
— Vou até aqui. Aquilo é horrível — declara ele quando estamos perto, e eu o compreendo por não querer ver uma cena indesejada, ainda mais sendo uma pessoa que não está acostumada com isso. — A sala é ali na frente, à esquerda. Tem gente lá.
— Tudo bem. Obrigada.
Dito isso, segui na direção que ele falou e, antes mesmo de chegar, escuto os cliques das câmeras. Entro. Há três pessoas tirando fotos da jovem enquanto um policial conversa com um garoto jovem que segura alguns equipamentos. O mais estranho é que sinto uma sensação de ansiedade e felicidade, seguida por um sentimento de desespero, falta de ar e dor nos pulsos.
Vejo o corpo que jazia sobre o piso. Em uma das mãos da Michele está o violino com apenas algumas gotas de sangue. Há nos braços, pernas e pescoço cortes rasos e profundos. O rosto pálido, virado para o lado direito, possui um certo sorriso e seus olhos estão abertos e mortos. Caso estivesse viva, eu diria que sua face está tão leve como quando estivera tocando o violino.
Como poderia ser um suicídio? Como ela poderia sorrir se soubesse o que estaria prestes a fazer? Se soubesse que estivera perto de morrer? Por quê?
— Ei, moça? — diz o homem em alerta. — Não pode ficar aqui. Você deve se retirar.
Sei que o homem está apenas fazendo seu trabalho, mas também sei que é um novato que ainda não me conhece.
— Sou a detetive Alicia Belmonte. — Mostro o distintivo. — Vou cuidar do caso. E você, quem é?
Seu rosto congela ao ouvir que sou detetive e logo em seguida vem as desculpas, dizendo que posso ficar quanto tempo quiser. Como se eu não soubesse.
Depois de uns cinco minutos ali, analisando o corpo, vejo algo interessante. Próximo ao corpo há livro aberto. Chego mais perto para observar melhor, mas o que vejo são rabiscos. O mais estranho? Não tem nenhuma nota musical.
— Estranho — comento.
Calço um par de luvas. Depois pego um saco plástico, fecho o livro e o coloco dentro, lendo somente o nome: "Músicas do teste final".
— Belmonte? — A voz de Denis me alarma.
Levanto-me para encarar o policial e, ao seu lado, vem um homem de terno preto e gravata branca.  Seus olhos são castanhos e os cabelos loiros — sei exatamente que não é um agente qualquer —, em seu rosto, as olheiras são o que mais se destacam.
— Parece que o caso interessou aos federais, detetive — diz Denis.
Seu olhar para mim já dizia um "encere logo o caso", simplesmente porque ele não quer que tenham agentes do FBI interessados nos casos da polícia local.
— Boa noite — cumprimenta o homem que também estende a mão na minha direção. — Sou o Alessandro Casty, agente do FBI.
— Prazer em conhecê-lo. Sou a detetive Alicia Belmonte — apresento-me.
Tiro as luvas e deixo-as com o saco plástico na mesa mais próxima. Logo depois aperto a mão do agente.

*Olá, o que acharam deste começo? Se gostou não se esqueça de votar e comentar. (•_-)

Notas da Morte (Degustação) Where stories live. Discover now