XII

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Lobì sai da cabine. Foi um dia cheio ontem, mas por algum motivo não conseguia dormir. Talvez seja essa lata de sardinha que ele projetou, que antes tão espaçosa, agora se tornou claustrofóbica como uma caixa de fósforos. Deve ser o costume de dormir sob as estrelas quando estavam naquela fortaleza natural, costume esse que cobrava de Lobì a sua cota de liberdade.

O convés superior estava totalmente vazio. Olhando para o alto via a cabine de comando, o ponto mais alto do complexo. Lobì lembrava que havia projetado a cabine de comando com uma chapa dupla, impenetrável, no teto. Assim podia subir e observar o mar sem se incomodar em fazer som algum na cabine abaixo, o que significaria que ficariam interrompendo-o toda hora para alguma coisa sem importância. Em outras palavras, ele projetara seu lugar especial no navio. Um deck de observação particular.

Lobì pega impulso e corre, saltando em direção a uma canaleta e subindo em um impulso para a grade de manutenção. Subiu a escada de aço correu pelo corredor de metal em direção à laje de metal da onde ele lembrava ser o almoxarifado. Escondido entre dois canos grandes de ventilação havia um cano que ele não lembrava o que era, mas que era grosso o suficiente para aguentar seu peso. Achava que era o cano do esgoto do banheiro da cabine de comando, mas preferia não pensar nisso. Subiu com a leveza de um macaco até a ultima grade de manutenção onde estavam as antenas de comunicação. Sabia que se entrar na frente delas causaria interferência. Agarrou com os dedos entre os elos da grade do piso do corredor e percorreu o corredor por baixo até o ponto onde não havia antenas. Subiu no corredor, apoiou seu pé no parapeito e deu um salto para a borda da laje da cabine de comando. Agarrando a borda com as patas e apoiando com apenas um pé, deu impulso para cima, subindo com facilidade.

A vista ali de cima era estonteante. Não era o melhor lugar para se estar em uma tempestade (do lado de um pára-raios), mas num amanhecer calmo como aquele era o melhor lugar para se estender e olhar para o céu, como fazia em seu antigo abrigo. O sol começava a dar seus primeiros tons de laranja, vermelho e azul. Começou a imaginar como Nivlek via esse amanhecer antes.

Um som ao seu lado o deixa alerta. Lobì leva um susto ao ver a cara travessa de um certo raposo despontar com dificuldade da borda da laje.

-Nivlek! Cara, que susto, achei que estávamos sendo invadidos de novo!

-Haha, muito engraçado, macaco-lobo! Me ajuda aqui!- Lobì o puxa pra cima.

-Como chegou até aqui?

-Eu te vi saindo da cabine e te segui até aqui. Fiz o mesmo percurso que você fez, e meus braços estão me matando agora...- Nivlek tenta relaxar os braços e as pernas. -Então é assim que você vê um amanhecer?

-Sim. Repetidas vezes temos esse show e quase nunca paramos pra ver. Acho que você nunca havia reparado os tons de vermelho das nuvens nas primeiras horas, não é?

-Nunca, é a primeira vez. As poucas vezes que vi parecia estranho ver o sol quase preto-e-branco nascendo, enquanto todo mundo ficava maravilhado. Dava até uma inveja deles...- Um som de metal ao longe distrai a atenção de Nivlek. Parecia vir do outro lado do navio. -O que foi isso?

-Não sei... Vamos até a sala de treinamento? Tô louco pra desenferrujar as habilidades!

-Sei não, queria ficar aqui...

-Lá tem tiro ao alvo.

-To dentro!

-Então é só chegarmos e começarmos a treinar, visto que já nos aquecemos nesse percurso, não?

-Ah é... O percurso...- Nivlek olha para o convés com cara desanimada.

-Não dê tempo para desanimar, apenas enfrente. Lembra do paredão?

-Lembro...

-Ele era mais difícil do que aqui. Vamos?- Lobí salta como se fosse passar reto pelo corrimão do corredor de manutenção e agarra a borda do corredor, se pendurando na grade por baixo.

-Tá legal, então aí vou eu!

Nivlek salta da mesma forma que Lobì, mas ao virar o corpo para agarrar o corredor, suas patas encontram o vazio. O pânico o cegou momentaneamente e achou que morreria ali mesmo, antes de sentir uma pata forte agarrar seu pulso, quase arrancando seu braço fora e batendo seu corpo contra a parede de metal. Ao olhar pra cima, Lobì o segurava apenas com um braço enquanto o outro estava firmemente cravado na grade do piso do corredor. Rapidamente, Lobì o balança até que Nivlek pudesse alcançar a grade.

-Segura a grade! Rápido!- Quando Nivlek finalmente agarrou a grade, Lobì ordena. -Vou soltar seu pulso, segura a grade! Nunca faça aquilo que você ainda não sabe sem antes treinar pra isso, entendeu?

-Sim... Agora entendi...- Nivlek ofegava do susto, soltando um assobio ao ver a altura em que estavam.

-Ótimo. Vamos ter muito tempo pra treinar aqui.

Lobì toma a dianteira antes que seus braços se cansem, mas estava preocupado com Nivlek. Se ele não alcançasse o cano logo, Nivlek poderia ficar sem forças nos braços e despencaria de lá de cima. Nivlek tentava manter o ritmo. Alcançando o cano, Lobì e Nivlek iniciaram rapidamente o trajeto até o deck e pegar o elevador até o andar de treinamento e artilharia.

-Como você consegue fazer essas coisas? Meus braços estão me matando!

-Meus também. Não tanto, mas incomoda- Lobì sente a falsa gravidade do elevador indo até a sala de treinamento. Um andar inteiro do complexo de acordo com o mapa no elevador que Lobì bisbilhotava, com toda a sorte de armas, brancas e de fogo e todo um equipamento, pronto pra usar.

As portas se abriram para o imenso salão de treinamento. Ambos ficaram sem fôlego diante do imenso ambiente. Lobì chega no computador e programa uma serie de clones para acertar com o arco.

-São tudo hologramas, então fica tranquilo, ok?

-Ok.- Nivlek prepara seu arco.

Lobì retesta o arco e abate um. Nivlek acerta outro no peito. Os dois correm avançando no terreno enquanto disparavam. Nivlek acerta a pata de um deles, transpassando a mão.

Mas o holograma não se desfez. Era um de verdade.

-Computador! Cancela o treino, cancela!!!

Os hologramas somem, mas o clone estava ali. Rosnando e babando feito um animal faminto.

-Nivlek! Acerta o botão de alarme, você consegue!- Lobì acerta um golpe no peito do clone que se afasta e atira duas flechas-tazer. Errou ambas, passando uma de cada lado da cabeça.

Nivlek só tinha uma flecha. Errou por um centímetro. Começa a correr na direção do botão.

A luta do clone com Lobì era majestosa. ele avançava as mandíbulas famintas no lobo cinzento e Lobì aproveitava para acertar o joelho na mandíbula inferior. As garras cortavam o ar, encontrando o vazio das esquivas de Lobì, enquanto a cegueira momentânea do golpe o atordoara. Um salto acrescenta força extra ao punho de Lobì, quando o clone começa a gritar.

-Pare!!! Por favor... Por favor...

Lobì desvia seu golpe para o chão e tatame e o imobiliza por trás. Nunca ouvira um clone clamar pela própria vida. Nivlek retorna para os dois com mais flechas em punho.

-Deixa comigo, Lobì!

-Espera, Nívlek!!!- Lobì volta o rosto do clone para o raposo. -Ele não é um clone.

-N-não...- O clone quase engasga pela imobilização de Lobì -Meu nome... É... Az...rel... Eu sou o o... ori...

-Lobì, deixa eu matar ele!- disse o raposo com o arco em riste.

-Calma, Nivlek! Clones não falam, lembra? E esse aqui parece menor que os outros.- Lobì solta o clone e aponta sua katana para a garganta dele. -Quem é você? Se tentar nos atacar, você morre aqui e agora.

-Obrigado...- O clone tosse e respira, tentando se recompor.

-Seu nome, clone.- Lobì ergue a cabeça do clone com a katana, fazendo-o falar desesperado.

-Azarel!!!  Eu sou o original!!! Eu sou o original...

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⏰ Last updated: Oct 06, 2017 ⏰

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