II

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Lobì e Nivlek seguiram por entre as folhagens. Nivlek estava se sentindo aliviado por encontrar um amigo, mas ao mesmo tempo se sentia mais que perdido. Ao contrário de Lobì, que estava andando na mata como se estivesse na casa dele. Vez ou outra, Lobì parava e colhia um ou outro pedaço de lenha seca, analisava uma ou outra samambaia enorme que encontrava e cortava uns dois brotos de seu meio. Quase tropeçou em um cacho de coquinhos duros com pequenos buracos feitos na casca.

-Isso!!!- exclamou.

-Isso o quê?- Nivlek perguntou, curioso.

Lobì agacha e procura uma pedra. Ao abrir um dos coquinhos, duas coisas gordas se mexiam juntas em seu meio. Era meio nojento de se olhar. Nivlek torce um pouco o focinho com a cena, mas Lobì estava radiante.

-Que sorte! Dois bem gordinhos de uma vez!

-Eca, o que é isso?

-Essa larvinha é conhecida como tapurú, e só se desenvolve em coquinhos de brejaúva. Tem um sabor esplêndido...

-Você não vai comer isso, vai?

-É proteína pura. Se você não comer, vai diminuir sua resistência.- Lobì o olha de alto a baixo. -E pelo que vejo, você não tem muitas opções.

-Argh! Mas está se mexendo!

Lobì pega um e o mastiga como se fosse uma enorme bala mastigável.

-O meu não está mais. Ponha na boca e não pense, mastigue antes de sentir nojo. Funcionou comigo na primeira vez.

Nivlek pega o tapurú da pata de Lobì. O mover lânguido da enorme larva o enojava. A cada milímetro que ele aproximava o animal da boca, mais ele torcia a careta em repulsa. Estava quase colocando na boca quando vê Lobì segurando o riso.

-Qual é a graça?!

-A sua cara de nojinho! É mais engraçada que a dos recrutas que passaram pela minha equipe!- disse já gargalhando. 

-Haha, engraçadinho!

O raposo coloca a larva na língua. Um arrepio na espinha o enche de repulsa, apertando os olhos.

-Mastiga, raposo! Nem pense em cuspir!- Lobì já gargalhava incontrolavelmente -E não ligue se eu estivar rindo mais que uma hiena aqui!

Quando os dentes de Nivlek apertaram na coisa macilenta e asquerosa, o arrepio de repulsa ficou mais forte. Não pense! Só mastiga, seu raposo azul!!! Pensou consigo mesmo.

Os dentes apertaram mais forte em um reflexo. A larva estourou suas entranhas na boca de Nivlek, fazendo-o encolher de nojo.

Espera... Leite de côco???

-Ei...- Nivlek parecia surpreso enquanto mastigava. -É gostoso! Tem gosto de leite de côco!

-Eu te falei, bobão! Ficou fazendo careta de nojinho à toa!- Lobì não parava de rir. -Hakuna Matata!

-Tem mais aí? Gostei, quero mais um!

-Se esses buracos nas cascas forem o que estou pensando, então esse cacho está repleto de tapurús gordinhos e suculentos só pra gente. Mas vamos levá-los para o nosso acampamento. Brotos de dicksonia, tapurús, côco-brejaúva, provavelmente peixe... Parece que vamos ter um banquete esta noite.

Caminharam mais um pouco mata adentro e começaram a subir uma ladeira meio íngreme até um paredão. Lobì não parecia se incomodar do mato quase agarrando e amarrando-o no lugar, parecia até atravessá-los como se fossem nada. Já Nivlek se enroscava cada vez mais, e alguns cipós espinhudos arranhavam sua pele, mesmo  através dos pêlos. Lobì o puxara pra perto rapidamente.

-Ei!!!

-Brejaúva.- disse apenas.

-Onde... Ah.- Nivlek não havia visto o tronco mais que revestido de espinhos. Parecia até um tronco composto por milhares de ouriços pretos.

-Basta encostar a mão e você não vai poder puxar seu arco sem chorar de dor.- Lobì olha pra cima. -Já fez rapel?

-Nunca. Por quê?

-Escalada, talvez...

-Não também... mas por quê a pergunta?

-Vamos subir este paredão. Os Clones não conseguem se mover muito bem em mata fechada, e são péssimos escaladores.

-Como você sabe?

Lobì aponta logo atrás de Nivlek. Um cranio lupino seco de muito tempo jogado no chão.

-Esse carinha tentou me seguir até o alto do paredão. É fácil escalar, mas ele caiu quando atingiu a metade do caminho.

-Fácil pra você né? Olha o tamanho disso!!!

-Você consegue. É só manter três pontos de apoio e não parar de subir.- Lobì começa a escalada e solta um dos braços para falar com Nivlek. -Ah, e concentre-se sempre no seu próximo passo, não olhe pra baixo em hipótese alguma, ok?

-Falar é fácil.

-Fazer também. Ou vai querer ficar aí embaixo pra virar cópia também?- disse já subindo.

-Ah... Que ótimo!!!!- disse, enquanto apoiava as patas nos apoios que encontrava.

Os braços queimando e o vento cortante estavam maltratando o pobre raposo. O sol batia na lateral do rosto de Nivlek e fazia sua vista confundir os apoios com as manchas na pedra. A cada apoio que suas patas pegavam, seus músculos reclamavam mais. A vista começou a entrar em vertigem.

-Lobì... Eu não vou aguentar mais!

-Não desista, Nivlek! Não pare de subir!

-Não dá, eu não aguento!!!

-Nivlek, olha pra mim!

Nivlek ergue os olhos e vê Lobì a dez centímetros do rosto dele na borda da formação rochosa. Nivlek arregala os olhos estupefato.

-Você conseguiu, maninho. Vai subir ou vai ficar aí pendurado?

-Cala a boca e me ajuda aqui, seu metido a Tarzan!

-Tá, dá logo a pata aqui, Mogli!- retrucou, puxando Nivlek pra cima enquanto ria das referências, há muito esquecidas.

DuplicattaWhere stories live. Discover now