⚝ one ⚝

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As gotas de chuva batiam na minha janela como anjos a cair do céu: era um som silencioso que me conforta a mente. Sempre gostei de chuva, sentia que nunca chorava sozinho e que quanto mais ruidoso fosse, mais forte seria a dor de quem quer que fosse que morasse lá em cima. Calculo que sejam todos aqueles que partiram para o bem. Mas eles não choram com mágoas de quererem voltar, mas sim com a tristeza de quem cá está. 

O meu quarto está também ele silencioso apenas com o som da minha respiração. Pergunto-me se a chuva vai parar porque é mais bonito ouvi-la do lado de dentro de casa que do lado de fora. Há quem diga que não sonho muito, mas é muito melhor ter baixas expectativas que possam ser realizadas, que sonhar alto e ficar parado à espera que elas se realizem à frente dos nossos olhos, sem fazermos nada por elas.

Abro os olhos e levanto-me da cama, ainda me doí o braço da semana passada apesar da dor ser cada vez menos aguda. Estalo o pescoço, não me sinto inspirado o suficiente para fazer alguma coisa produtiva até que me lembro que está em causa o trabalho de uma vida aqui metido.

Olho para o relógio, faltam 5 minutos para as 11 da noite a hora perfeita para ir! Agarro no bloco que está escondido na gaveta da minha escrivaninha e ponho-o na mala que está no chão do meu quarto. Dirijo-me até à porta e tranco-a, não é por ela que costumo sair mas sim pela janela. O meu quarto situa-se no piso de baixo por ser bastante modesta. Antes partilhava-o com a minha irmã mas agora estou com ele totalmente livre para mim. Abro a janela e escapo, não ligando muito para o barulho que faço, a minha mãe tem um sono muito pesado e raramente acorda: uma situação que deu bastantes problemas à nossa família há muito tempo atrás, quando ainda a tinha. 

Começo a correr até ao local habitual onde costumo aproveitar melhor o tempo que fechado num quarto: Rio Han. Ainda está a chover mas cada vez com menos intensidade, por este andar quando chegar ao sitio marcado o céu vai estar limpo. Ainda estou adiantado para o grande espectáculo nocturno. Já faço este ritual há 1 ano todos os dias sem qualquer excepção ou falha, na verdade falhar com o rio Han seria falhar comigo mesmo. 

Num piscar de olhos já o consigo avistar ao mesmo tempo que finalmente para de chover. Finalmente a noite estava realmente bonita e eu podia aprecia-la mais uma vez, num novo dia. Sento-me no mesmo lugar vazio de sempre: tenho uma visão especial para a cidade e para o rio mas principalmente para as estrelas. Desta vez não agarro no caderno como sempre, simplesmente debruço o meu corpo sobre a pedra e deito-me.
Descobri este sitio quando era muito novo, costumava brincar aqui com o meu pai quando tinha os meus 7 anos por ser um sitio normalmente deserto às horas a que costumava ir e claro, às atuais. Agora ao contrario de antigamente costumava visita-lo sozinho até porque não há ninguém com quem eu possa estar e sentir-me bem, ninguém que não pare os meus pensamentos, me deixe sonhar e apreciar o momento, que me faça estar confortável.

Como que por impulso sento-me e pego no meu caderno e começo a escrever, estou quase a acabar o meu projecto mas antes que isto seja oficial não fico descansado. Estou constantemente a ouvir música mas ao contrário dessa rotina este é o único local que eu preferia ouvir a musica natural do ambiente. Começo a escrever com o caderninho encostado ao meu joelho esquerdo. Escrevo mais duas, três, quatro frases quando num sobressalto ouço uma voz...

— Gostava de saber o que tanto escreves - interroga um rapaz de cabelos castanhos escuros que eu por sinal nunca havia visto na minha vida

  — Gostaria de saber o que fazes aqui a estas horas e porque razão me fazes essa pergunta... - afasto imperceptívelmente a minha mochila

— Bem, para te responder a essas perguntas preciso de me sentar: posso?

O rapaz de cabelos castanhos e voz doce pisca-me o olho enquanto pede para se sentar ao meu lado ao qual eu com ignorância respondo que sim.

60 dias - kth + jjkΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα