Capítulo 50 - Irmãos reunidos

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Faena sonhava com uma cantiga de ninar quando sentiu um puxão na manga de sua túnica.

Em um primeiro momento, zangou-se. Por que não podia ficar um pouco mais na cama, escutando a canção de seus pais? Estava decidido: não ia abrir os olhos. Provavelmente era dia de caça e ela ia ter de limpar os cervos. Ficaria rodeada de pele e vísceras por toda a manhã, se não mais.

– Faena...

A Asynja resmungou alguma coisa em resposta. Não, agora não.

– Faena... acorde, Faena! Seu irmão está aqui!

Meu... irmão?

E então ela se lembrou. Não era dia de caça, e não seria um dia de nada corriqueiro ou normal. A dokalfar despertou, sobressaltada, percebendo que havia caído no sono em um ângulo estranho. Sua cabeça tinha tombado sobre a beira do catre de seu irmão e, quando ela se endireitou, viu sua prima encarando-a com os olhos arregalados. Faena praguejou por dentro, aborrecida consigo mesma.

– Deusa... – ela disse, massageando o pescoço. – Não era para isso ter acontecido. Daessa...

– Faena – a garota atropelava as palavras. – Seu irmão, Ma Ulna o trouxe! Ele está vindo para cá com uma garota pálida!

A Asynja piscou, tentando assimilar o que acabara de ouvir. A menção a uma pálida fez com que olhasse para Eladar, que continuava dormindo. As três velas que Faena havia acendido ao redor do elfo ainda queimavam, embora não fossem mais do que tocos de cera agora. O quarto cheirava às ervas que a dokalfar usara para ungir o plexo solar do garoto, e com as quais ela enchera um pequeno saco de couro que agora repousava sob a camisa dele.

– Fez um ritual de proteção? – Daessa perguntou, dando-se conta do que via.

Faena se levantou aos tropeços, sem responder. Estava prestes a encarar duas pessoas a quem devia as mais graves satisfações – o irmão que ela abandonara e, provavelmente, alguém relacionado ao clérigo. A dokalfar correu até a porta e a abriu. Lá fora a manhã ia ganhando suas cores – em Afeldhun, lilás e índigo – e a Asynja teve de apertar os olhos para se acostumar à claridade. Ela fitou a passarela que levava até o quarto de Faedran, ansiosa, e viu três pessoas se aproximando.

Duas delas eram Ma Ulna e seu irmão. Ele parecia muito cansado e estava claramente ferido, com curativos pelos braços e ombros. Apesar disso, os olhos de Faena recaíram sobre a figura que vinha entre o dokalfar e a anciã - uma elfa da Lua de olhos escuros, usando roupas encardidas e uma longa trança dourada.

Lyriel, Faena pensou. A irmã. Só podia ser ela. A dokalfar deixou a porta aberta e voltou para perto de sua prima, ajoelhando-se.

Que seja. Vou ao menos olhá-la nos olhos.

– Não diga nada, Daessa. – Faena pediu. – Deixe que eu fale, se for preciso.

Ela podia ouvir os passos dos três. Quanto mais altos ficavam, mais rápidas as batidas do coração de Faena tornavam-se. A dokalfar ergueu a cabeça e encarou a porta. Estão perto. Vão chegar....

Agora.

Entraram quase juntos; Ma Ulna vinha um pouco atrás. Os olhos da anciã eram o mesmo mistério de sempre; os de Faedran tinham um misto de alegria e pesar, um cansaço que vinha do espírito.

Por fim, havia a elfa.

A primeira coisa que a garota fitou foi o catre e seu ocupante, e seus olhos se encheram de água. Porém, a menina se voltou para as duas dokalfar que se postavam ao lado do leito, e a Asynja percebeu que a elfa não precisou de mais de dois segundos para saber quem era a mulher que raptara seu irmão. As duas se encararam em silêncio por alguns instantes e, por mais que a Asynja soubesse de seu erro, ela se manteve altiva. Aceitaria as consequências, mas com alguma dignidade.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora