Pelo vidro acortinado eu podia ver a silhueta da besta-fera que me caçava se aproximando e farejando a porta em busca de mim.

—Sério? — resmunguei e recuei devagar, então reparei o quanto tremia, minhas pernas estavam bambas e minha respiração tremulava. Minhas mãos bateram em alguns objetos, aparentemente eu tinha entrado em uma loja de penhores empoeirada, abarrotada de inutilidades decorativas e com tantas coisas que eu mal conseguia andar sem tropeçar em vasos de um metro e tapetes enrolados ou qualquer outro trambolho que estava no chão — que droga está acontecendo?

Minha imaginação sempre tinha sido tão fértil assim?

A porta tremeu com a primeira investida do lado de fora, gritei e depois levei as mãos à boca para abafar os soluços que começavam a se formar na minha garganta, em breve a porta cederia e eu já tinha uma ideia do que viria depois.

Não entendia como tudo aquilo podia ser tão real.

Cai no chão novamente, no pânico levei comigo uma mesa cheia de penduricalhos que se espatifaram no piso de madeira.

Pelo menos eu não vou ter que me preocupar em pagar nada disso...

Pensei com ironia, com uma risada alucinada querendo sair. Tentei me levantar novamente, me apoiando em uma estante com o braço que o ombro não doía pela caída no asfalto.

Minha mão afundou em algo como gelatina. Eu esperava que fosse apenas algum inseto nojento ou um prato com gelatina passada, mas não. Minha loucura não tinha limites. Minha mão estava afundada até o pulso dentro da capa de um livro.

Gritei de novo.

Minha garganta não aguentaria mais dias como aquele, ela ardia e estava irritada, se eu sobrevivesse, não falaria pelo próximo mês... Ou meses...

E, como se não pudesse ficar pior, minha mão afundou mais como se o livro me abduzisse e eu não tinha ideia de como tirar minha mão de lá, mas aterrorizante foi quando algo dentro do livro agarrou meu pulso e eu senti minha pressão baixar e eu quase desmaiar.

Por um momento esqueci da raposa e a porta quase quebrando, como se minha mente só pudesse focar em uma coisa de cada vez, eu só conseguia pensar que minha mão tinha atravessado a capa de um livro sólido como se fosse gelatina e eu podia sentir que algo agarrava minha mão do outro lado.

Sério. O que diabos estava acontecendo nesse dia? Se eu ia morrer, porque minha vida não estava passando diante dos meus olhos como nos filmes? Ou será que eu apenas tinha comido alguma coisa estragada com cogumelos estranhos e agora estava agora estava alucinando de forma hardcore e era apenas uma louca gritando sozinha, trancada dentro de uma loja, segurando um livro e olhando para a própria mão?

Eu queria que aquilo parasse. Rezava para que tudo fosse só um sonho.

Abanei a mão fortemente tentando, em vão, me livrar do livro grudento, até o coloquei no chão e pisei em um canto tentando tirar a mão.

O pânico já tinha formado uma bola em minha garganta quando eu finalmente senti minha mão sendo removida da massa gelatinosa bizarra do livro, puxei meu braço bom com toda a minha forca e, assim como minha mão, o que quer que estivesse se agarrando a mim também parecia conseguir sair.

Mas um problema de cada vez.... Primeiro eu garantia meu braço e depois lidava com o que saísse.

Meu pequeno sentimento de vitória logo foi esquecido quando o livro explodiu em uma quantidade gigantesca de papel picotado e desfiado, assustada, pulei para trás e bati com forca contra uma parede dos fundos da loja e várias coisas caíram e quebraram a minha volta, senti até mesmo algumas batendo nas minha cabeça e ombros.

Meus ouvidos zuniam. E meu coração estava martelando em meu peito e minha visão agora era turva.

No lugar do livro agora estava uma montanha de pelos negros em forma de lobo, mas quase três vezes o tamanho de um lobo normal que mal cabia dentro do corredor minúsculo que tinha dentro da loja, mas as patas longas pareciam conseguir desviar de tudo. Ele pareceu me olhar por um instante com imensos olhos amarelos ouro e então ouviu o barulho da porta e rosnou.

A porta já enfraquecida pelas investidas da raposa, finalmente se desfazer em fagalhos.

Um segundo se passou e o lobo rosnou e se lançou para cima da raposa, se engalfinhando em uma luta violenta de garras, pelos e dentes pela rua afora.

Eu fui esquecida.

Suspirei aliviada e então a escuridão e o torpor tomaram conta de mim.

E esse foi o resumo do sonho mais longo, estranho e realista que eu já tive em toda a minha vida.

Guerras dos Magos Mestiços I - PassadoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora