"Não aguentei, fui stalkear. 

ARRASOU! Aproveite o encontro! Com amor, Kay! Xx"

Olivia quase podia ouvir o tom entusiasmado da voz de Kacey ao ler sua mensagem. Riu sozinha enquanto, deitada no chão do escritório, esperava seu esmalte secar. Fechou os olhos e deixou-se embalar pelo som de Kings of Leon, produzindo em sua cabeça um videoclipe psicodélico com personagens bizarros para Rock City.
Gracie não apareceu para o almoço, mas deixou uma mensagem avisando, para que Olivia não se preocupasse em espera-la. Ela, por sua vez, preparou ovos mexidos e empurrou goela abaixo, ansiosa demais para sentir qualquer coisa que não fosse ansiedade.

"Quer parar de invadir meus pensamentos, Olivia Harding? 

Xx, Henry"


Olivia, que pensou ser Kacey outra vez, surpreendeu-se ao ler a mensagem de Henry. Seu coração, que havia vivido um bom tempo na tranquilidade de não ter por quem acelerar, pulou algumas batidas com pressa. Ela sorriu, para o celular e para si mesma, digitando um breve e espontâneo "Desculpa! Prometo que vou tentar".
Por volta das cinco, seu estômago já estava enjoado e suas pernas mal podiam aguentar paradas. Separou três combinações diferentes de roupa sobre a cama, mesmo que no fundo já soubesse qual delas iria escolher. Na hora do banho, optou pelo chuveiro, pois parecia incabível esperar que a banheira enchesse, ou passar vinte minutos imersa na água.
Não tinha nada a ver com Henry, por mais estranho que isso soe. Não era ele, ou o fato de aquele ser um encontro romântico. Sua ansiedade não era das mais seletivas. Olivia ficava nervosa com qualquer espécie de novidade. Ficaria igualmente ansiosa caso fosse uma entrevista de emprego, ou o primeiro dia de um curso qualquer. Não lidava bem com o desconhecido, o "não saber" a colocava a beira de um colapso.
A calefação não permitia que Olivia tivesse certeza da temperatura externa, mas olhando pela janela do apartamento tinha quase certeza de que estava congelante.
Depois de secar os cabelos, experimentou as peças de roupa que estavam sobre a cama, antes de decidir qual iria usar. Maquiou-se rapidamente – delineador e batom vermelho que já faziam parte de quem era. Com o tempo que tinha sobrando, Olivia ficou testando alguns acessórios para, no fim, escolher os brincos de pérola que quase nunca deixavam sua orelha.


- Hey! – Exclamou para Gracie. A Colega desviou os olhos da geladeira para encontrar Olivia.
- Olá! Uau! – Disparou – Duvido que exista "vida pós-encontro" para esse tal de Henry! – Brincou, arrancando uma risada nervosa de Olivia.
- Está bom? Mesmo? Acha que vou passar frio?
- Está ótimo! Ah, dentro do restaurante vai estar aquecido, não se preocupe! – Olivia concordou com a cabeça e agitou os pés ansiosamente – Parece ansiosa.
- Sou! – A outra respondeu, risonha – Vou descer esperar o táxi, Gracie, até mais tarde.
- Até, Oli. Toda sorte do mundo!


Cada um minuto de espera, para Olivia, eram dois.
Dois. Quatro. Seis. Oito. Dez. Doze...
O táxi, que levou apenas dez minutos para chegar até ela, parecia ter levado vinte. Mais trinta para conduzi-la até o centro. Quando desceu do carro, na esquina do bistrô, ela pegou o celular apenas para verificar se não estava atrasada, ou adiantada.
Pontual que era, chegou ao estabelecimento no mesmo instante em que os ponteiros marcaram 7h30.
A porta estava fechada. Mais do que isso, havia uma placa vermelha que podia ser vista através do vidro. "Fechado", dizia. Abaixo, em letras menores, ela quase não leu: "a menos que você seja Olivia Harding".
De coração disparado, Olivia olhou para todos os lados, sua mente divagando por um breve instante e tentando imaginar quantas pessoas haviam passado por ali e estranhado aqueles dizeres. Quantas pessoas teriam se perguntado quem era ela, quem era Olivia Harding, a única para a qual o bistrô O'Malley estava aberto naquela noite
Despertando de seu rápido devaneio, ela levou a mão, provavelmente tão gélida quanto aquele domingo, na maçaneta. Empurrou a porta delicadamente, e tão logo que a fechou atrás de si, trancou o frio pra fora. Ficou parada na entrada, observando o ambiente vazio e iluminado pelas pequenas luminárias suspensas no alto da parede. Dentre todas as mesas desocupadas, uma única estava posta e com as velas acesas.
Avançou dois passos incertos, tendo uma visão ampla do salão. Henry não estava em nenhum lugar que pudesse ser visto. Sua voz chegou antes de sua figura, distraindo Olivia do Jazz que soava baixinho pelas caixas de som.

- Oi. – Ele disse, e mesmo algo tão simples soava certo na voz dele. Henry veio da cozinha, seu perfume se alastrando muito rapidamente.
- Hey! – Olivia disparou, sob o fôlego. O perfume dele a envolveu, depois seus braços.
- Tudo bem? – Henry perguntou, e a segurou contra seu corpo por mais um tempo. Olivia esperou até que estivesse longe do calor dele para responder.
- Tudo, e você?
- Estou bem! – "Deus, ele foi definitivamente o popular do colégio!" seu cérebro sussurrou em meio ao breve, e estranho, momento em que eles se observaram em silêncio – Você está linda, Olivia.
- Obrigada! – Ela respondeu, encolhendo-se instantaneamente. Pensou se deveria devolver algum elogio, mas ele não deu tempo à ela de chegar a qualquer conclusão.
- Bem, tenho uma boa e uma má notícia... – Henry comentou, com um sorriso que fez Olivia imitá-lo – A boa é que eu dispensei os funcionários pra que pudéssemos ficar mais à vontade para conversar... A má é que, por conta disso, vamos ter que cozinhar. Você se importa?
- Hm, não... Desde que você tome a frente, se dependermos da minha não-habilidade culinária, o jantar está arruinado. – Henry riu espontaneamente.
- Combinado, você pode me auxiliar. – Comentou ele, e ainda sorrindo com diversão, apontou para o sobretudo que ela usava – Posso guardar seu casaco?
- Ah, sim! Claro! Obrigada!

No instante em que atravessaram a porta da cozinha, os olhos de Olivia começaram a arder, lidando muito mal com a luminosidade do local. Avançou, meio às cegas, seguindo Henry pelo ambiente branquíssimo. Somente quando começou a se acostumar com a claridade, e seus olhos deixaram de lacrimejar, conseguiu observar com mais nitidez o espaço.
A cozinha, embora menor do que ela esperava de uma cozinha profissional, era muito bem equipada. Do lado posterior à entrada, encostados à parede, haviam bancadas espaçosas, uma pia grande e o maior fogão que Olivia já tinha visto, ao lado de uma chapa também ampla. Acima de ambos, e também embutida à parede, uma coifa. Tudo em inox, assim como a geladeira e o refrigerador vertical com portas de vidro. Havia ainda um forno industrial e um pass trough, que ficava ao lado de uma pequena porta de madeira.
No centro da cozinha havia uma bancada com gabinetes de inox e um tampo de granito cinza, suspenso logo acima ficava um paneleiro de teto.
Olivia imaginou que, em dias comuns, aquele local ficava mais bagunçado. Naquele momento, porém, havia muito pouco fora do lugar. O forno industrial estava aceso, e havia uma panela no fogão. Ela não tinha certeza de qual deles estava vindo o aroma agridoce que despertou sua fome.

- Quer se sentar? Coloquei bancos aqui pra gente... – Henry sugeriu, apontando para dois bancos altos – Juro que minha intenção não é te manter aqui dentro a noite toda, mas... – Olivia riu, acomodando-se em um dos assentos – Posso te servir alguma coisa pra beber?
- Eu aceito uma taça de vinho. – Olivia respondeu.
- Quer escolher um? – Henry perguntou, e parecia animado com a ideia.
- Pode ser... – Ele sorriu e empurrou a pequena porta de madeira no canto da cozinha.
- Vem...

Olivia seguiu Henry para dentro do ambiente nada espaçoso, que ela descobriu, pouco depois, ser uma adega. Haviam prateleiras de madeira de demolição cobrindo três das quatro paredes, elas formavam pequenos losangos, cada um deles abrigava uma garrafa de vinho.
Henry contou, enquanto deixava Olivia bisbilhotar as dezenas de garrafas, que o pai, Samuel, é grande apreciador de vinhos, e que era certamente o responsável por todo e qualquer conhecimento que ele próprio tinha sobre a bebida.
Olivia pediu que ele limitasse suas opções, e Henry rapidamente separou três garrafas de diferentes vinhos brancos, todos eles eram Franceses, ela notou. Ele justificou sua preferência, dizendo que combinariam melhor com o que ele estava cozinhando para o jantar. Olivia sorteou uma garrafa aleatória, um Leroy Bourgogne Blanc, e Henry garantiu que ela havia feito uma boa escolha.

- E então, Olivia, você é daqui mesmo, de Wolverhampton? – Henry quis saber, servindo a taça que havia separado para ela.
- Não... Sou de Bourton-on-the-Water. – Ela contou, e fez um gesto para agradecer quando ele lhe estendeu a bebida – E você?
- Sou de Rye. – Henry revelou, servindo um pouco de vinho para si próprio antes de livrar-se de seu blazer e se sentar no banco desocupado, ao lado de Olivia.
- Rye... Fica no Sudeste?
- Sim, em Sussex. – Ele explicou, e ergueu sua taça brevemente – Um brinde?
- Ah, sim! – Olivia ergueu a própria taça e esbarrou suavemente na dele, provocando um tilintar delicado – Saúde. – Os dois sorriram contra a borda da própria taça, sorvendo um pouco do vinho branco.
- O que achou? – Ela não entendeu num primeiro minuto – Do vinho.
- Ah, é bem gostoso! – Henry sorriu, satisfeito.
- Vou dar uma olhada no nosso jantar, só um segundo. – Ele pediu, saltando do banco para se acercar do fogão.
- Quer dizer que aquela história de "precisamos cozinhar" era mentira? Você já tinha tudo encaminhado por aqui... – Ela comentou, sentindo-se mais à vontade na presença dele, agora que Henry estava longe e de costas.
- Eu não queria que você pensasse que eu estava sendo presunçoso... – Henry justificou, risonho – Como se quisesse te mostrar que sou um grande Chef ou coisa do tipo, seria muito pretencioso, não seria? – E deu uma olhadela para Olivia, por cima do próprio ombro.
- Se isso significa que você vai tentar me conquistar com comida, você começou muito bem! – Ela brincou, provocando riso no rapaz, que fechou outra vez a panela antes de se aproximar – Você cozinha há quanto tempo? Digo... Profissionalmente.
- Já fazem sete anos, aproximadamente... Eu terminei meu curso de gastronomia com 22... – Ele contou, e com um sorriso engraçado acrescentou – Não faça as contas.
- Desculpa, já fiz... – Olivia brincou, com uma careta divertida – 29 anos?
- Sim... Faço 30 em Novembro – "Escorpião. Fuja!", Kacey teria dito – E você?
- 26 em Setembro – Comentou, e bebeu um pouco mais de seu vinho.
- Você é Jornalista?
- Andou me stalkeando, O'Malley? – O rapaz riu, e sem desviar os olhos dos dela, deu de ombros.
- Talvez! – Olivia sorriu, tamborilando os dedos na própria taça – Só o suficiente para saber se você estava solteira. – Ela soltou um riso nasalado, seu rosto pareceu febril instantaneamente.
- Sou Editora na redação do Wolftown News. – Ele concordou com a cabeça.
- Você trabalha lá há muito tempo?
- Sim, entrei como estagiária enquanto ainda estava na Universidade, e... Bem, fui ficando.
- Você gosta?
- Quase todos os dias... – Henry concordou com a cabeça, sorrindo, e ela continuou – E você, gosta de cozinhar?
- Agora que tenho minha própria cozinha, sim... Mas houve uma época em que eu quis desistir... – Ele contou – Eu trabalhava em um restaurante de culinária Francesa, aqui mesmo em Wolverhampton... Eu era subordinado de um Chef, e... Bem... Já assistiu Hell's Kitchen? – Olivia disparou um riso espontâneo – Mas agora é muito tranquilo.
- Que bom... – Pareceram horas os segundos de silêncio em que o olhar impassível de Henry a examinou. Por um instante parecia que estavam se desafiando em um jogo de quem pisca primeiro – Hm... Vocês trabalham em uma equipe grande? – Henry sorriu, e ela tinha quase certeza de que havia algo de vitorioso em seu sorriso.
- Não... O salão tem como capacidade máxima 80 pessoas, então não exige uma equipe muito grande... – Ele explicou, apoiando o antebraço na bancada e relaxando o peso de seu corpo ali – Aqui na cozinha somos ao todo três durante a semana, quatro aos fins de semana... No salão temos a hostess, um sommelier, quatro garçons durante a semana, cinco aos fins de semana.
- E como vocês se dividem na cozinha? – Olivia questionou, alcançando sua taça para tomar mais um gole de seu vinho.
- Costumamos nos dividir por tipo de prato, mas somos flexíveis, geralmente fazemos uma espécie de rotatividade semanal.
- É uma boa ideia... – Olivia considerou – Pelo menos ninguém fica muito engessado em um único tipo de coisa.
- Sim... – Henry sorriu e se levantou, carregando a taça consigo até o fogão, onde destampou a panela para verificar o que cozinhava.
- O que você mais gosta de fazer?
- Eu gosto da parte de confeitaria. – Henry respondeu, sua atenção parcialmente voltada para a panela – Você gosta de risoto?
- Sim... – Olivia respondeu, salivando com o aroma de comida – Eu experimentei o de cogumelo da primeira vez que vim.
- Ah, é mesmo? – Henry disparou um sorriso em direção à ela, depois voltou a olhar para a panela, usando uma colher para mexer na comida – Eu fiz um de vegetais de inverno.
- É seu favorito?
- Meu favorito é de frutos do mar, mas eu não sabia se você gostava... – Olivia conteve um sorriso, mas não aquela cócega engraçada na barriga – Já está com fome?
- Faminta!
- Ótimo! Está pronto por aqui... Que tal se você for para a mesa, eu já sirvo.
- Não quer ajuda? – Ela se ofereceu, levantando do banco.
- Obrigado, Olivia, não se preocupe.

Ela acomodou-se em uma das cadeiras dispostas na mesa posta para dois. Observou as velas, que quase chegavam ao fim em seus recipientes cilíndricos. Não havia notado, até então, o blues que tocava baixinho no salão, mas gostou de percebê-lo ali, rompendo com o silêncio.
Henry se acercou pouco depois, equilibrando os pratos e a garrafa de vinho em suas mãos e antebraço, não do jeito desengonçado e perigoso que qualquer pessoa inexperiente faria, mas como o de alguém que fazia aquele tipo de malabarismo há muito tempo.
Deixou a garrafa sobre a mesa, depois distribuiu os pratos, primeiro o de Olivia, depois o seu. Ainda em pé, ele serviu o vinho, depois finalmente se sentou, de frente para ela.
Olivia elogiou a refeição antes mesmo de começar a comer. Tinha um tom bonito de amarelo, que combinava com os pequenos pedaços de cenoura e abóbora, mesclado ao verde vivo dos brócolis e das ervas que ele havia escolhido usar.

- E então... – Henry começou, e Olivia pegou-se praguejando o rapaz por invadir seu momento a sós com a comida – Quando se mudou de Bourton-on-the-Water?
- 2009... – Olivia respondeu, depois de forçar seu risoto goela abaixo.
- Você gostava de lá? – Aquela, definitivamente, não era a primeira vez que ela entrava em contato com aquela pergunta e, consequentemente, com o conflito interno que ela provocava. Já havia, ela própria, se questionado sobre aquilo muitas vezes, e ainda assim, sua resposta era a mesma.
- Não sei. – Henry riu. Talvez porque tenha achado graça. Talvez porque, assim como todas as outras pessoas, tenha pensado que deveria achar graça. Olivia se lembrou do tatuador, e de como não havia sombra de sorriso em seu rosto quando ela lhe disse aquela mesma combinação de palavras. Ele apenas ergueu os olhos, e embora houvesse alguma curiosidade neles, não havia diversão, como se soubesse que não havia nada de positivo em não saber se gostava ou não do lugar onde passou grande parte da sua vida. Não havia.
- O que isso significa? – Henry perguntou, atraindo Olivia para fora de sua lembrança. Ele não parecia interessado, ela percebeu, mas respondeu mesmo assim.
- É complicado. – Queria parar por ali, porque era mesmo complicado. De pensar, de explicar, de fazer algum sentido. – Tenho ótimas lembranças de lá... – "mas também foram lá meus piores momentos até hoje" pensou em completar, mas não sentiu-se à vontade – Eu gosto de Bourton-on-the-Water, mas prefiro aqui. – Finalizou, confortável com a superficialidade de sua resposta – E você? – Acrescentou rapidamente – Gostava de Rye?
- Não tenho muitas lembranças de lá... – Henry respondeu, observando a própria taça de vinho – Eu vivi em Rye até meus seis anos, depois nos mudamos pra Cambridge... – Explicou o rapaz – Às vezes voltamos à Rye, eu e meu pai, para passar um fim de semana... É uma cidade tranquila.
- Você tem família lá?
- Não... – Henry lambeu os lábios, seus olhos, um pouco consternados, procuraram o rosto de Olivia – Éramos só eu, meu pai e minha mãe, mas ela morreu no parto do meu irmão.
- Ah! – A moça soprou, arrependendo-se profundamente por ter perguntado, ainda que não tivesse como prever a resposta – Sinto muito, Henry.
- Tudo bem... – Ele sorriu, e Olivia ficou tentando identificar os sentimentos que haviam por trás do curvar hesitante de seus lábios.
- E você tem um irmão, então? – Henry concordou com a cabeça, a taça de vinho na boca.
- Sim, ele também vive em Wolverhampton, mas... Bem, nós não temos tanto contato quanto eu gostaria... – Explicou, contrariado – Ele e papai não se dão muito bem.
- Entendo... – Olivia garantiu, pensando imediatamente na gritaria de fim de tarde entre Emma e seu pai.
- E você? Tem irmãos?
- Tenho uma irmã, Emma... Ela mora nos Estados Unidos, em uma pequena cidade da Califórnia. – Contou ela. Henry meneou a cabeça e, em silêncio, terminaram a refeição.
- Está satisfeita?
- Sim! Obrigada, Henry, estava ótimo.
- Sobrou algum espaço para a sobremesa? – Olivia não pôde evitar imaginar a si mesma em seu sofá, com uma caneca quente de café. Ainda assim, sorriu e concordou com a cabeça.
- Claro!

Olivia não gostava de nozes, e se lembrava disso a cada garfada do bolo mil folhas que Henry havia preparado em algum momento daquele domingo. Tinha certeza de que estava delicioso para o paladar de outras pessoas, na sua boca, porém, desmanchava-se como um pesadelo doce e enjoativo.
Considerou recusar, ser sincera. Lembrou de si mesma, semanas atrás, dizendo a Amber que ninguém deveria aceitar qualquer coisa que não quisesse apenas para agradar outra pessoa, mas havia algo de esperançoso e gentil no olhar de Henry que a fez sorrir e enfiar a primeira porção do bolo goela abaixo, fingindo não ouvir a voz mansinha que a julgava ao pé do ouvido. "Hipócrita".
Prometeu a si mesma que diria, caso houvesse uma próxima oportunidade. E caso não houvesse, bem, que diferença faria seu desapreço por nozes?
Olivia precisou insistir, irredutível, em sua oferta de ajudar Henry com a bagunça. Ele, com a mesma obstinação, negou até descobrir que, em matéria de teimosia, aquela criatura do outro lado da cozinha, agarrada aos pratos sujos, certamente era sempre vitoriosa.
Henry serviu o que sobrou do vinho enquanto Olivia se livrava dos restos de comida. Separaram juntos a louça que iria para a lavadora, e a que precisava ser lavada à mão. Conversaram, entre uma tarefa e outra, sobre o dia-a-dia dele. Sobre as histórias que o jornalismo havia colocado no caminho dela. Sobre política, e sobre filmes favoritos de infância – Hook, o de Henry. Goonies o de Olivia.
Falaram sobre viagens que já haviam feito. Sobre as que queriam fazer. Sobre as que nunca fariam. Perderam-se em relatos das noites desregradas da época da Universidade e sobre memórias divertidas da adolescência.
"Posso te dar uma carona?", Henry ofereceu no fim da noite. Assegurou, sob o olhar desconfiado de Olivia, que não estava bêbado – nem mesmo próximo disso, e que ela estava segura com ele. Olivia teve a impressão de que havia algo de malicioso naquela afirmação, mas talvez fosse sua mente confusa pelo vinho e pela noite agradável. Havia, ainda, certa contribuição do riso rouco e melodioso de Henry.
O interior do Nissan Qashqai cheirava a novo. Não havia nada de muito pessoal nele, como um chaveiro divertido, papéis amassados ou qualquer objeto esquecido. Era como se tivesse acabado de sair da concessionária, como se ainda não pertencesse o suficiente à Henry.
Lembrou-se de Alexander, de seu Ford Escort amarelo que um dia pertencera ao pai. Dos riscos na porta que haviam sido feitos por Lola, a Doberman marrom que pertencia à ele e ao irmão. Do perfume artificial de lavanda, que vinha do aromatizante liquido preso nas grades de ventilação do painel. Do adesivo descascado dos Rolling Stones, que ficava do lado de fora do vidro frontal. Da fenda no estofado de couro do banco traseiro, que ele e Olivia cobriam com a manta que ficava no porta-malas, para poderem transar sem serem surpreendidos por arranhões.
Pensou, depois, no Fiesta preto de Robert. Do estofado macio, que parecia ter sido embebido no perfume masculino dele. No pendrive vermelho preso ao rádio, sempre tocando as músicas favoritas de Olivia – que também eram as dele. No penduricalho tosco que ficava ao redor do retrovisor, com a miniatura de uma garrafa de Jack Daniels como pingente. Seu saxofone guardado no case, sempre cuidadosamente apoiado no banco traseiro.
Observou, minuciosamente, cada canto do carro de Henry, buscando algo que fizesse daquele um espaço íntimo. Qualquer coisa que pudesse olhar e se perguntar onde ele havia conseguido. Objetos que contassem histórias. Algo que dissesse um pouco mais dele do que ele próprio já havia dito. Mas não havia nada. Nem mesmo um CD ou pendrive que deixassem indícios do tipo de música que ele costumava ouvir.
O relógio no painel do carro marcava onze e dezoito, as ruas de Wolverhampton estavam tão vazias que Olivia imaginou os moradores despertando assustados com o frágil ruído do motor do carro. O arrepio veio acompanhado de um espasmo – ou vice-versa – quando imaginou a si mesma chegando no andar de seu apartamento e se deparando com um vaso de flores. Não sabia de onde havia surgido aquela memória, mas tratou de deixa-la de lado quando Henry estacionou em frente ao edifício onde vivia.
Ele não desligou o motor, mas soltou o cinto de segurança.

- Hm... Você pode abrir o porta-luvas pra mim? – Olivia agitou-se sob olhar paciente que Henry direcionava à ela. Desconfortável, arredou os próprios olhos e alcançou a alavanca do porta-luvas. Não se deu ao trabalho de tentar descobrir o que poderia ser, embora jogos de adivinhação costumassem ser seus favoritos. Havia, além do kit de primeiros socorros e o manual do carro, uma caixa cor-de-rosa de tamanho médio dentro do pequeno espaço, agora iluminado – É pra você.
- Henry... – Ela chamou, e embora tivesse planejado um tom contrariado, sua voz a desobedeceu e soou um pouco afetuosa – Não precisava ter se preocupado em comprar nada... – Henry disparou um sorriso, e bastou para que ela desistisse de sua manha e enfiasse a mão no porta-luvas, puxando a caixa – O que é? – Mas ele, parecendo reconhecer aquela como uma pergunta retórica, manteve-se calado.
Olivia encontrou, dentro da caixa, uma sacolinha preta de um tecido macio. Em letras pequenas dizia "This is Ground", e ela sabia ser uma marca de acessórios em couro. Henry acendeu a luz no teto do carro enquanto ela abria e retirava, de dentro da sacola, uma carteira retangular que se parecia com um case de celular. Ao abrir, porém, ela reconheceu um bloco de notas preso à uma aba do lado direito, do lado esquerdo tinha espaço para guardar cartões e objetos pequenos. No centro havia uma caneta dourada, o nome de Olivia gravado em letras delicadas.
- Ainda se usa bloco de notas? – Henry perguntou, e apesar do tom brincalhão, pareceu momentaneamente inseguro.
- Sim! – Olivia disparou, um pouco mais entusiasmada do que havia esperado. Ouviu o riso satisfeito do rapaz antes de erguer seus olhos em direção à ele – É incrível, Henry, muito obrigada... Você realmente não precisava ter se preocupado! – Ele ignorou, mais uma vez, a polidez de Olivia.
- Eu fico feliz que tenha gostado... – Garantiu e, de repente, sua expressão se encheu de graça – Caso nosso encontro não tivesse corrido bem, não sei o que faria com isso... Talvez começasse um diário. – Olivia divertiu-se com a imagem que inventou de Henry, deitado de bruços no tapete do quarto, escrevendo em seu diário.
- Parece o momento ideal para começar um diário... – Comentou ela, encolhendo uma perna e sentando-se sobre a própria panturrilha – "Querido diário, meu encontro com Olivia foi um verdadeiro desastre" – Brincou, forçando uma voz masculina e magoada. Henry gargalhou como havia feito poucas vezes ao longo da noite. Descontraído, alcançou o rosto dela com a mão. Olivia, em meio a sua falta de jeito com aproximações, empertigou-se. Sustentou o olhar de Henry, experimentando a gentileza com a qual ele arrastou uma mecha de seu cabelo para trás da orelha. Não tinha certeza se havia sido sutil ou abrupta, mas flagrou-se inclinada em direção à ele. O sorriso de Henry se desmanchou na boca de Olivia, quando seus lábios se provaram pela primeira vez.
- Estive esperando por isso desde que coloquei meus olhos em você, Olivia Harding... – As palavras dele se espremeram por entre o beijo. Ela soprou um riso fácil e, sem abrir os olhos, confidenciou:
- Eu não gosto de nozes.   

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