Não sabia, no entanto, se era um bom momento para visitar a si mesma, e provavelmente não era. Não tinha certeza sobre a proporção da desordem interna que a esperava, e se daria conta de organizá-la, ou fugiria dela a tempo.

Em seu caminho até a redação, naquela manhã, Olivia havia se dado conta, e não com surpresa, embora muito embaraçada, de que parte sua estava aliviada que as flores não tivessem sido enviadas por Lars.

Não havia nada de altruísta em seu sentimento. Estava ligeiramente preocupada com o caráter dele ou com a possibilidade de que fosse indiciado caso ela procurasse pela polícia. Mas sua inquietação devia-se muito mais à frustração que sentiu diante da chance de ter se equivocado em seu julgamento.

Não queria descobrir, eventualmente, que havia sido enganada. E tampouco sentia-se confortável diante da ideia de ter seus colegas de trabalho e leitores assíduos do jornal percebendo, em algum momento, que ela havia defendido, mesmo que indiretamente, a pessoa errada. Que havia sido ludibriada pelo discurso vitimista de Lars, e voltar à condição de "pobre moça ingênua da aldeia" que já havia fragilizado Olivia muitas vezes antes. Era uma adulta agora, muito diferente da Olivia que deixou em Bourton-on-the-Water anos atrás. Pelo menos na maioria dos dias.

"Você não está sendo racional", diria Kacey caso tivesse acesso àqueles pensamentos. E Olivia sabia, não estava. Aquelas flores, que antes eram apenas a possibilidade de uma intimidação subentendida por parte de Lars, agora não pareciam ter outro significado que não fosse uma ameaça. "Clara e diretamente uma ameaça", nas palavras dele próprio.

Gracie interrompeu Olivia para dizer que teriam de remarcar a visita, e ela não quis admitir que havia esquecido completamente do combinado, então apenas concordou.

Deu uma olhadela em seu relógio de pulso. As manhãs costumavam passar rápido na maioria dos dias. Pensou em todas as vezes que foi necessário Ava ou Amber, às vezes Margot, chamar sua atenção para que percebesse que havia chego o horário do almoço. Naquela quarta-feira, porém, os ponteiros pareciam avançar um passo para, em seguida, voltar dois.

Leu o único parágrafo que já tinha escrito. Era uma matéria que deveria sair apenas na sexta-feira, a respeito da nova regra do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, em que chefes de qualquer canto do país teriam, a partir de então, total acesso à mensagens pessoais enviadas por seus funcionários nos computadores ou celulares da empresa.

Olivia estava certa de que em qualquer outro dia já estaria com a matéria pronta, e ainda que não estivesse excelente, provavelmente estaria razoavelmente bem elaborada. Isso só deixava ainda mais frustrante aquele parágrafo solitário na tela de seu computador.

Distraiu-se muito facilmente com algumas funções do programa que usava, fingindo estar interessada em explorá-lo, mas teve sua atenção voltada para a tela acesa de seu celular, deixado em um canto da mesa. Com o aparelho em mãos e ainda sem estravar a tela, pôde ler: "Liv?", era só o que dizia a mensagem de Alexander.

Levou um ou dois segundos para se lembrar de que havia enviado uma mensagem à ele noite passada. Algo como "Um mundo sem Bowie agora, huh?". Não fazia o menor sentido entrar em contato com Alex, e se quer tinha certeza de que ele mantinha o mesmo número de anos atrás. Bem, agora ela sabia que sim. Olivia fechou os olhos e imaginou a si mesma sendo atingida por uma locomotiva.

Havia oito anos, talvez um pouco menos, desde que Alexander havia se mudado para Londres. "Tenha uma ótima vida, Liv", ele disse antes que ela saísse de seu carro pela última vez – a primeira em que ele a deixou na porta de sua casa, e não no quarteirão de baixo. Não tinham mais nada a perder. Thomas não podia mais proibi-la de vê-lo, agora que os planos dele já haviam se encarregado disso.

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