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Os quatro anos iniciais que vivi no quartel foram incríveis, pois parecia que eu finalmente havia achado meu lugar no mundo. Os exercícios físicos eram tão intensos que eu não tinha tempo de me torturar com meus próprios pensamentos. Estava me tornando um homem. Talvez meu pai gostaria de ver aquilo.
Como residia na base, enviava tudo o que recebia para mamãe e Harriet, que retornavam agradecidas com correspondências carinhosas. Das dez cartas que escrevia, eu enviava apenas uma. Elas não precisavam saber de tudo.

Foi vivendo no quartel que fiz sexo pela primeira vez. Isso aconteceu quando meus colegas e eu folgamos e decidimos sair para beber no centro da cidade. Entramos em uma festa e conheci essa garota, que se chamava Louise. Transamos no banheiro. Ela me deu seu telefone e pediu para que eu ligasse depois, mas meus amigos não me deixaram fazer isso. Disseram que era contra o regulamento.

Ah, permita-me explicar. Aparentemente os homens possuem um "regulamento", que eu mesmo renomeei como "o manual dos babacas". Dentro disso está incluso não demonstrar sentimentos por mulher alguma antes que ela também faça isso, não chorar, mesmo que sua mãe morra, e não agir como uma menina. E sobre o último item, preciso contar o que aconteceu.

Dividíamos um quarto, eu e mais alguns rapazes - os mesmos que iam às festas -, mas acabávamos conhecendo outras pessoas devido às atividades militares. Em uma aula de treinamento de fuga tivemos de formar duplas e conheci um menino que dormia no quarto ao lado, e achei estranho nunca tê-lo visto antes. Se apresentou como Adam e disse que não gostava muito de sair do quarto. Nos demos bem de primeira, e se pude perceber algo, desde o princípio, era sua homossexualidade. Parecia frágil e delicado, deslocado como uma flor em um cenário selvagem como aquele. Isso não me incomodou. Só depois, quando o convidei para almoçar comigo e meus colegas, percebi outra vez aquele problema.

- Seus amigos não vão gostar de almoçar comigo, John.

- Que besteira, é claro que vão. - Eu disse tentando convencer mais a mim do que a ele. Pensei um pouco. - Bom, almocemos só nós dois, se for o caso.

Adam ponderou a ideia e por fim a aceitou, embora ainda parecesse relutante. Dentro do refeitório eu senti outra vez todo o peso daqueles olhares de acusação e julgamento. Cada pedaço de comida me descia a garganta como uma pedra, e pensei como seria para Adam se sentir assim todos os dias. Ele devia ser um homem corajoso, eu pensei. E foi por causa dele que tive meu primeiro ato de coragem.

Ele estava encurralado quando eu apareci, às onze da noite, perto do toque de recolher. Cinco contra um. Cinco babacas que eu conhecia lançavam seus desaforos contra Adam, enquanto empurravam seu corpo para trás, preconizando algo pior. Eu não sabia que existiam palavras tão feias para definir o  mesmo termo, e de forma tão hostil. Meu amigo parecia prestes a chorar, e rebatia as afrontas com argumentos sábios. Mas isso não funcionaria. Não consigo detalhar o que aconteceu, mas de repente dois homens fortes - um de cada lado meu - me puxavam para longe. Meu punho estava encharcado de sangue e um dos principais que incomodava meu amigo anteriormente segurava o nariz, quebrado. Os outros também haviam me batido bastante, mas isso não importava, porque eu também os havia machucado. Por isso chamaram os oficiais do quartel. Levei uma bela suspensão por três dias, e isso resultou em um corte temporário de rendimento e sessões extras de exercícios pesados, o que também não me importava. O que importava era a justiça.

as memórias de john watson Where stories live. Discover now