Capítulo 3

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Tia Joly esbanja tanta simpatia que contagia todos à sua volta. É corpulenta, com as bochechas rosadas que, em minha opinião, se pare- cem com dois corações. Usa um forte batom cor-de-rosa em seus lábios e, como de costume, está sempre sorrindo com seus porcos. Além de porcos, Joly coleciona bonecas. Qualquer tipo de boneca. Desde as esbeltas e arrumadas até as pequeninas miniaturas graciosas com aromas de flores cítricas.

Mas é claro. O equilíbrio entre o bem e o mal é necessário em todas as partes. Já quando o assunto se trata de meu tio, é outra história. Rother é um rechonchudo com uma cara enorme e implicante. Possui uma inteligência fora do comum, que denomina sua Classe de Talento, porém, é uma grande lástima que sua habilidade às vezes falha em achar que sou uma aberração forçada. Sua arrogância é asquerosa.

O caminho não é nada longo, muito pelo contrário: é curto. Apenas ando olhando para o céu, contando mentalmente os preciosos segundos antes de ficar cara a cara com a "fera". Entre passos lentos e fantasmagóricos, chego finalmente ao nosso destino, o qual me lembra uma grandiosa casa de "brinquedos vivos"; telhados vermelhos piramidais, lampiões cor-de-rosa (com beija-flores dentro) pendurados nas partes mais alheias da casa, portas e janelas triangulares amareladas. Em um piscar de olhos, vejo Joly iluminada, usando seu avental com desenhos de baralho em frente à porta, que se parece com uma minipirâmide. Empolgada, ela se levanta rápido de sua cadeira cor de carmim, começando a acenar desesperadamente com um enorme sorriso no rosto.

– Oh! – exclama ela, quase dando um pulo de tanta alegria. – Vinzel e Evangellyne, vocês vieram! – grita, ansiosa de felicidade, vindo ao nosso encontro.

Eu aceno. Meu pai também, que ainda coloca as mãos em meus ombros.

Mas Joly não dá trégua. Seu sorriso quase estoura seu próprio maxilar. Além de tudo, ela nunca teve noção de sua própria força ao me cumprimentar. Como sempre, vem abraçar-me com força, apertando-me com robustez, como se eu fosse uma de suas preciosas bonecas de pelúcia. A única coisa a se fazer é disfarçar o certo sufoco, pois quase acabo vomitando todas as maçãs verdes que havia ingerido.

– Minha nossa! Minha nossa! Como você está, pequena Evangellyne? – pergunta ela, apertando minhas bochechas e remexendo-me repetitivamente.

Vinzel ri e tapeia levemente minhas costas.

– Ela não é mais uma pequena garotinha, Joly. Evangellyne já completou 17 anos. É uma verdadeira moça! Não é, filha?

Joly fica brava. Nega movendo suas mãos.

– Oras! Não ouse contestar-me, Vinzel Allins! Não adianta: ela será sempre minha eterna pequena garotinha dos olhos esverdeados mais formosos de Stravânsia, sempre. Vamos, entrem, entrem.

Terras. Hortas gigantescas e mais terras. Andamos até o celeiro, que parece ser feito de Lego colorido. Estar aqui de imediato me remete à infância. O que me faz pensar em meu meio-primo chamado Zachary Allins, cuja sorte foi dominada assim que a vida resolveu presenteá-lo com íris vermelhas iguais a rubis. Pois é. Isso deveria resultar em motivos bons para ser feliz neste país. Sua renda familiar sempre fora altíssima, mas... nem tudo é como ansiamos. Sofrer de distúrbios mentais, de longe, não foi uma escolha. Desde seu nascimento, o triste garoto de íris avermelhadas tem demonstrado de ciências não diagnosticáveis. E por ser portador de uma doença misteriosa, Zachary jamais conseguiria dominar sua Classe de Talento Arcana. Além de tudo, sua percepção vinculada à aparência sempre foi desastrosa. Suas vestes de marinheiro sofisticadas estão continuamente amassadas, e seus cabelos castanhos lisos são desalinhados iguais a uma orquestra desafinada. Pois bem, já faz um tempo que não o visito.

Logo ao entrar na elegante casa, que tem flores vermelhas e murchas dentro de jarros quadrados por todos os cantos, percebo que o número de retratos do meu primo aumentou de uma forma absurda nas paredes amareladas dos corredores, perto da escada. Joly sempre tivera esse estranho costume de expor as fotos de Zachary de forma obsessiva, de várias maneiras. Além da mania de decorar tudo de maneira infantil.

A Série Espelho dos Olhos - Livro ÍrisWhere stories live. Discover now