Prólogo

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Entediante. Em um dia opaco e sem graça, em que o continente asiático foi inteiramente dominado pela temível Rússia, vivia Remi Claus – um dos cientistas mais conceituados de todos os tempos. Era elegantemente magro, de forma que sua palidez transparecia por completo em sua estrutura; branco como um papel. Como sempre, usava um surrado jaleco bordô, pintado à mão, todo queimado por experiências mortíferas, e quase nunca desgrudava de seus antigos e fortes óculos de grau com lentes meramente trincadas devido ao trabalho árduo. Mesmo assim, Remi Claus jamais desistira de fazer o que sempre quis. E o que ele queria era algo que desafiava a própria ciência e a complexa genética. Mundo. O seu maior desejo era desenvolver um novo modo de sobrevivência. Era vangloriar a humanidade, demonstrar o quanto os humanos poderiam ser incríveis no dia a dia e fazer com que desenvolvessem seus maiores potenciais, protegendo e cuidando de toda a sociedade, uns dos outros, todos unidos; a proteção intacta em prol da sociedade. O tal do "viver a vida sem ter medo do que pudesse ocorrer no amanhã". Pois bem, o maior sonho da vida de Remi, nada mais nada menos, era: gerar uma nova espécie humana, mudando a sua genética, evoluindo-a. O trans-humanismo consistia em criar seres com habilidades fenomenais, únicas e belas ao mesmo tempo.

Depois de perder a esposa em um assalto dentro de um jardim botânico da capital da Nova Rússia, as cobaias eram simplesmente suas formidáveis filhas: Brigit Claus, a sonâmbula; e Sophi Claus, a tímida.

Ambas apoiavam o pai com as experiências. As garotinhas não negavam seu fascínio por ciências.

Claus era feliz até o dia em que perdeu o sentido de continuar, o motivo mais precioso de seus sentimentos mais profundos: sua esposa. Na família, a recuperação do viver e o trauma gerado perante a morte da botânica Fárfara tornaram-se um desgosto intolerável. Principalmente em Brigit, que a firmava sonhar todos os dias com sua mãe, sorrindo entre espelhos que refletiam árvores esquisitas, em uma floresta de gramas alheias e folhas nada comuns. Era lei: ela acordava gritando de pavor todas as noites. Assim, prontamente, o afetuoso trio familiar se mudou para o centro da nova Ásia com o objetivo de não ter tanta conexão e lembranças da grandiosa e ex-casa russa, já que ela lembrava demais a mãe de suas filhas por conter sentimentos, emoções e sorrisos por todos os lados.

Vida nova. Os sonhos de Brigit não eram mais os mesmos.

No novo local, existia um gramado cheio de árvores, protegido por arames de alta potência, onde era impossível entrar. Dentro desse almejado campo florestal, havia um gigantesco laboratório denominado "Laboratório da Vida". Ele cava na cozinha. Lá realizavam-se todas as experiências. Das mais leves até as mais pesadas. "Não há nada para estranhar. O lugar é amplo, inspirador e inovador para realizar qualquer tipo de experimento", dizia Remi Claus.

O cientista, desde então, não perdoava nenhum final de semana nem feriados; qualquer hora era hora de ter seus insights mirabolantes. Um deles ocorreu em um domingo tempestuosamente escuro, com raios exagerados e trovões tenebrosos. Quando o relógio indicou 3h, sob as fortes gotas de chuva, vidros se quebraram na cozinha de maneira repentina. Felizmente, o cientista não imaginava o que iria ocorrer naquela madrugada: a sua maior descoberta. Remi, com seu lampião de alta luz, correu descalço sobre o chão gelado da casa, assustado. Foi iluminando, iluminando o caminho até fora de casa, sem entender absolutamente nada. Todavia, ver sua filha Brigit Claus, a sonâmbula, não estava nos seus planos. Afinal, a mais velha das irmãs havia acabado de concretizar a fórmula que ele sempre quisera alcançar. A fórmula dos sonhos.

Foi repentino e acelerado demais. Brigit havia surtado naquela noite. Estava sonhando novamente com algo com que não sonhava havia tempos: Fárfara, sua mãe. A botânica cantava, guiava-a entre espelhos e árvores, de novo com mais intensidade que qualquer outro sonho já tido. Dessa vez, Brigit, em um sono profundo, foi levada às árvores do campo florestal: após o leve furto que cometera no laboratório de seu pai, segurando na mão direita um frasco vermelho-alaranjado. Aquele que o cientista jamais havia conseguido concretizar; a fórmula ideal dos seus sonhos. Entrementes, na madrugada, Brigit estava desmaiada no sereno, em frente a troncos, com os cabelos enrolados caindo nos olhos, segurando outro curioso item em sua mão direita: o famoso elemento que faltava para a poção de seu pai ficar pronta. O tal elemento escorria sem parar. Viera diretamente da bizarra árvore, aquela diferente de todas; rara. Mas... o pior ou melhor de tudo era que Brigit havia acabado de ingerir a fórmula depois de misturá-la dentro do frasco: sonâmbula. A garota não pôde evitar. O seu sonambulismo a afetou, persuadiu os seus sentidos. Ela não tinha noção do que zera. A fórmula para criar um novo tipo humano fora gerada.

A Série Espelho dos Olhos - Livro ÍrisWhere stories live. Discover now