Capítulo 14 - Tempo é o melhor remédio?

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As semanas passaram mais rápido do que eu consegui acompanhar. As pessoas transformaram a festa em assunto principal por muito tempo. Quem tinha beijado quem, quem tinha dançado com quem, que fantasia tinha usado e como todos tinham gostado de tudo. Agradecia por estarem bêbados de mais para lembrarem como tinha terminado. Por um tempo, alguns disseram que tinham visto meu beijo e do André, mas o fato de eu não ter sido vista ao lado dele depois da festa, contradizia isso.

Os boatos ruins diminuíram até acabar.

Estávamos bem no colégio, mas eu estava péssima com o Marcelo. Se até a festa eu não tinha coragem suficiente para pedir desculpas, depois dela tudo ficou ainda mais difícil. E seu bilhete, mesmo que eu não entendesse seu significado, deixava claro que seu humor comigo não estava dos melhores. Mas seu bilhete era o único indicativo de humor que eu tinha, porque o Marcelo tinha se transformado em uma folha em branco.

Suas lições de moral estavam lá, suas técnicas de luta também, mas sua conversa leve, sua preocupação e seu sorriso tinham desaparecido. Eu não saberia o que ele estava pensando nem se passasse o dia todo o encarando. Tinha voltado a ser a aluna sem rosto, sem nome e sem alma. E isso me irritava. Irritava tê-lo decepcionado e me irritava mais ainda saber que naquele dia eu não tinha sido nem metade da Alice dos últimos meses. Não tinha feito nada de tão errado. Ou tinha?

Tudo bem que eu tinha bebido, mas era só isso. Ele não esperava que eu parasse de beber na minha própria festa, esperava?

Suspirei e olhei para Paula ao meu lado. Ela dirigia como se eu não estivesse no carro e eu não a culpava. Porque não bastava eu estragar tudo com o Marcelo, eu tinha que estragar tudo com a Paula. Não importava se o boato sobre eu e o André tinha sido abafado, ele tinha chegado aos ouvidos dela e eu não pude negar quando ela perguntou.

Meu beijo podia ser apenas uma fofoca para os outros, mas para Paula era mais. Era quase como eu não ser grata o suficiente por tudo que ela tinha feito para mim. E Paula tinha feito por mim mais do que qualquer outra amiga faria. Tinha pedido desculpas mais vezes do que eu conseguia contar, mas não tinha sido o suficiente. Talvez nunca realmente fosse o suficiente. E eu não tirava sua razão.

Tinha pisado na bola por sequer me aproximar do André novamente.

Quando cheguei à aula, Marcelo me olhou com sua melhor falta de expressão e nem se importou com o fato de eu já ter chegado vestida e pronta para a aula. A verdade era que ele não se importava com nada que eu fazia de diferente. Cada dia eu tentava uma coisa nova. Chegava mais cedo, chegava mais tarde, usava uma roupa estranha, uma roupa super comportada, outra nem tanto assim. Já tinha chegado até mesmo com uma roupa de festa e salto alto, mas ele não tinha dito nada.

— Meia hora de esteira. — Sem "Boa tarde" ou "Como você está?".

Abri a boca para dizer "Sim, senhor", mas mudei de ideia.

— Por que nunca mais correu comigo? — Perguntei sentindo meu estômago revirar de medo e ansiedade — Por que me mantém trancafiada aqui dentro, usando a esteira, quando tem um parque lá fora? Um parque que você costumava caminhar comigo. — Ele me olhou parecendo entediado.

— Não quero ir ao parque e você não vai sozinha. Aqui posso ter certeza que fará o exercício corretamente. Não que eu lhe deva satisfação sobre as minhas escolhas para a aula, claro. — Ele virou as costas e senti todo o meu medo ser substituído pela raiva. Corri até alcançá-lo e parei em sua frente.

— Então é isso, de um momento a outro eu me tornei ninguém? Você consegue me diferenciar dos outros? Ao menos se lembra do meu nome?

— Não seja ridícula, Alice. — Ele me contornou e tive vontade de gritar.

— Fico feliz que ao menos se lembre do meu nome. — Falei com raiva e pesar. Odiava aquilo, odiava que ele me tratasse como se eu fosse insignificante. Como se bastasse eu sair por aquela porta e nunca mais voltar, para que ele me esquecesse. — Que ao menos eu ainda tenha um nome para você, algo além de aluna.

— Poderia se comportar como uma aluna e me obedecer.

— Poderia se comportar como meu professor e ao menos me olhar nos olhos. — Ele se virou em minha direção e por um momento quase me arrependi de pedir por isso.

— Estou olhando nos seus olhos. — O verde me englobou e quase vacilei — Durante todo esse tempo, desde que você chegou aqui, eu lhe olhei nos olhos. Fiz o que pediu e me preocupei. Preocupei com vocês, com o que sentiam, com o que acontecia na vida de vocês. Tentei do seu jeito. E o que eu ganhei em troca? — Ele deu um passo em minha direção e eu engoli em seco — Não ganhei nada em troca, Alice. Nada de bom veio dos meus alunos, principalmente de você. Por que devo tratá-los bem se isso não é retribuído e não faz com que vocês cresçam?

— Isso não é verdade. — Sussurrei com dificuldade de encontrar minha voz.

— Me odeiem. Eu não importo. Ao menos quando me odeiam e temem minha reação, vocês pensam duas vezes antes de fazer uma idiotice. — Seus olhos se mantiveram nos meus por mais dois segundos, antes dele se virar e continuar seu caminho.

— Desculpe. — Sussurrei, mesmo que não soubesse exatamente pelo quê. Mas eu sabia que tinha medo de perdê-lo e faria qualquer coisa para isso não acontecer.

— Não se desculpe a mim por você destruir sua vida. Peça desculpa a si mesma e aceite as minhas desculpas. Peço desculpas por me deixar acreditar que poderia fazer meu trabalho de uma forma diferente. Eu estava enganado. — Não disse nada, não saberia o que dizer nem mesmo se tivesse o resto da vida para pensar em uma resposta — Meia hora de esteira. — Ele repetiu e dessa vez eu só tinha uma resposta.

— Sim, senhor. — Sem conseguir olhar para ele, eu segui sua ordem.

O Segredo da Rainha - O que você faria por amor?Nơi câu chuyện tồn tại. Hãy khám phá bây giờ