Parte 12 - FINAL

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5 anos depois...


Ouço o som de cascos de cavalo e me levanto de minha cadeira de balanço ao lado da lareira. Faz muito tempo que não escuto esse som - uns cinco anos, de acordo com minhas contas. Vou até a janela a tempo de ver o cavaleiro parar diante da casa e olhar de um lado para o outro, confuso. Eu não o reconheço e ele não parece um guarda real ou mensageiro. Talvez seja um viajante perdido - afinal, ninguém passa por esse lado da floresta.

O homem desmonta e caminha até a varanda da casa. Espero que ele bata na porta, mas ao invés disso ele grita:

- Rose de Vallahar!

Todo o meu corpo se enrijece. Faz muito tempo desde que me chamaram assim pela última vez. Esse homem, definitivamente, não está perdido.

Ando até a porta e a abro devagar, com cautela. Mantenho um punhal escondido nas dobras de minha saia, por precaução, mas assim que vejo o rosto do visitante, esqueço-me completamente da arma.

Diante de mim está, vestido em roupas de camponês, o próprio rei Theo.

Nós nos encaramos em silêncio durante um tempo quase interminável. As lembranças de nós dois juntos no palácio retornam e me ferem. Fere ainda mais lembrar que, sob as ordens dele, a torre de meus sogros foi atacada e todos que estavam lá foram mortos. Meu marido foi morto. Eu consegui escapar com a ajuda de um criado, que provavelmente foi morto também porque nunca mais tive notícias dele. Em suma, eu tenho todos os motivos do mundo para odiar o homem diante de mim.

Forço-me a fazer uma reverência respeitosa. Afinal, ele ainda é o rei.

- Olá, Majestade.

Olho para ele e vejo seus olhos marejados e uma expressão infeliz em seu rosto.

- Eu finalmente encontrei você - ele diz, emocionado.

- Vá embora, por favor - digo de modo monótono.

- E-eu... eu vim porque queria dizer que...

Sacudo a cabeça.

- Nada do que disser mudará o que fez. Tenha um bom dia.

Estou prestes a fechar a porta, quando uma mãozinha puxa minha saia e sua dona aparece ao meu lado, curiosa para ver o visitante. Rei Theo olha para a pequena menina como se visse um fantasma e seu rosto perde a cor.

- Quem é? - ela resmunga com sua voz infantil.

- É apenas um viajante, Ivory - eu respondo, tomando-a em meus braços. - Ele está indo embora. Diga adeus.

Ivory o avalia da cabeça aos pés com seus olhos azuis. Então diz adeus.

- Ela é sua? - o rei diz, maravilhado.

- Sim - respondo. - Esta é minha filha.

- Realmente precisamos conversar, Rose.

- Não tenho nada a tratar com Vossa Majestade, então...

Ele segura minha mão.

- Por favor - suplica. - Dê-me dez minutos do seu tempo.

Suspiro. Eu devia fechar a porta na cara dele e mandá-lo para o inferno, mas não é algo que quero que minha filha assista. Então o convido para entrar e tomar chá. Ivory brinca no jardim enquanto nós dois nos sentamos à mesa na varanda dos fundos, observando-a. Não dizemos nada por um longo tempo.

- Ela é parecidíssima com ele - rei Theo comenta, constrangido.

- Sim - assinto. - Fico feliz que Ivory tenha herdado os cabelos negros do pai. Quem sabe o que pode acontecer a uma jovem por causa da cor de seus cabelos, não é?

Ouço-o dar um longo suspiro.

- Serei direto por respeito a meu amigo e a você - ele me encara. - Talvez seja demais pedir que acredite em mim, mas quero que saiba que eu nunca ordenei aquele ataque. Sob circunstância nenhuma eu mandaria meus homens para matar minha família. O que houve naquela noite foi cruel e irreparável, mas eu precisava dizer a verdade a você.

- Por quê? - arqueio uma sobrancelha. - Para aliviar sua própria consciência?

- Sim - ele admite sem hesitar. - Preciso da minha consciência limpa para poder ajudar a viúva de meu primo e sua filha.

Rio com escárnio.

- Nós não queremos sua ajuda. Não queremos ter relacionamento nenhum com nada que venha daquele inferno que vocês chamam de palácio!

- Rose, não diga...

- Quer saber de uma coisa? Eu nunca acreditei que o ataque foi obra sua. Nunca. Comparado a você, fiquei pouco tempo no palácio, mas sei o quanto reis e príncipes são facilmente manipulados por seus conselheiros. Imaginei até mesmo que aquela cobra da sua rainha estivesse por trás de tudo. Mas, adivinhe? Não importa, Majestade. Nada disso importa porque nada disso trará meu marido de volta para mim.

Percebo que estou chorando. Rei Theo se levanta e se aproxima para me abraçar e eu me permito ser consolada.

- Você passou por coisa demais e grande parcela da culpa é minha - ele diz. - Por isso peço perdão por aquele dia, há quase seis anos. O dia em que eu tomei você de si mesma e pensei que podia tê-la para mim. Não posso fazer nada para reparar meu erro além de pedir insistentemente - ele me solta e se ajoelha diante de mim - e humildemente que me perdoe.

Nós dois estamos aos prantos. Ambos feridos, de maneiras diferentes.

Em meu íntimo, sei que já o perdoei - acho que ser mãe me tornou uma pessoa mais tolerante e paciente no fim das contas. Porém, quero que ele vá embora. Quero que vá e que nenhum de nós cruze o caminho do outro novamente, enquanto vivermos.

E eu nunca mais o vejo.

Ivory e eu nos sentamos para um piquenique durante uma tarde fresca e ensolarada. Ela está empenhada em capturar borboletas e eu digo que para isso é preciso paciência. Conto a ela sobre a lenda das montanhas, de onde nossos olham por nós e cuidam de nós com amor eterno.

Ivory me pergunta se papai está lá.

Sem hesitar, eu respondo que sim.






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Cruel: uma volta no tempo (spin-off)Where stories live. Discover now