"...certas expectativas..."

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Twitter: ISBB5H


Narração: Camila

Miami – South Beach – Patrulha – 07:45

Ao acordar, na fila do banco, esperando o café ficar pronto, entregando um grande trabalho ou apagando os rastros dos seus próprios pés na areia fina e úmida da praia, todos nós, há todo momento, criamos certas expectativas. Algumas são malucas, quase fantasiosas, sobre as maravilhas que nos aguardam nos próximos capítulos e outras tantas mais contidas. Criamos expectativas sobre os espaços que descobriremos, sobre as pessoas a quem conheceremos, sobre as pessoas que nos tornaremos e sobre onde ou o quão longe chegaremos.

A meio caminho surgem muitas mãos. Braços que te puxam para outros cantos, braços que te empurram para armadilhas. Dedos aos quais você desesperadamente quer se segurar, mas que lhe soltarão quando você menos esperar, mas também novos dedos, talvez estranhos, despretensiosos, e incrivelmente firmes.

E assim, tortos, decididos e quase sempre acompanhados, começamos a driblar nossas próprias expectativas, construindo novas, deixando-nos enfeitiçar por outras melhores, ou mais possíveis, ou mais bonitas, ou mais razoáveis. Mas quem é que dribla a quem?

Hoje, mais do que nunca em minha vida, tudo parece estar em meu controle. Meu relacionamento com Lauren, minha profissão, minhas amizades, minha saúde, minhas contas, obrigações e laços. E é no minuto em que me acredito como mestre da minha própria vida, que me vejo enganada por... Mim? E uma nova expectativa surge. Uma que não planejei. Uma que não gostaria de ter. Uma pela qual não pedi.

Eu deveria sufocá-la, incendiá-la ou afogá-la. Eu deveria retirá-la de dentro do meu corpo e matá-la. Mas quem é que dribla a quem? Quem é que está no verdadeiro controle? Não eu, ao que tudo indica.

Em meu primeiro dia de treinamento na Guarda um dos instrutores que palestrava, disse: Há sempre alguém para ser salvo. É curioso que em todos esses anos eu não tenha pensado nisso, mas que justamente hoje essa frase tenha me atormentado ao despertar, pois sim, há sempre alguém para ser salvo e minha tola expectativa já escolheu, sem qualquer direito, o alvo de meu desejo.

– Você parece diferente hoje.

– Diferente, eu? Como? – Caminhávamos devagar pela areia. As nuvens escuras e carregadas acima de nossas cabeças certamente espantaram os banhistas e turistas das praias.

Afetada pelo exercício, Maia reuniu algum fôlego antes de se explicar. – Você está olhando para Normani como se quisesse dizer alguma coisa. Está olhando para o seu celular como se quisesse dizer alguma coisa a quem quer que esteja lhe enviando todas essas mensagens. E está olhando para o mar como se quisesse dizer algo à... Bom, essa parte não entendo, mas você o olha como se quisesse dizer alguma coisa também.

Maia era observadora, mas muito do que via e percebia guardava para si, como eu. – Eu realmente tenho algo para dizer a Mani. – Cerrei meus punhos sentindo o arrepio me consumir. Lembranças das conversas com Lauren e a incerteza de como comunicaria minha mais recente decisão de mudança. – E eu também deveria responder a essas mensagens... – Lembrei-me desse outro importante detalhe comentado pela adolescente. – Elas são sobre a minha mãe. – Sussurrei a última parte.

A novata absorveu a frase final com cautela. Estudou-me em silêncio, mas não de maneira desconfortável e sim como se estivesse a se decidir sobre como agir na presença de um animal assustado. – E quanto ao mar? – Suas perguntas apenas me mostraram a imensidão de sua sensibilidade, quando qualquer outra pessoa em seu lugar e que pouco me conhece, teria optado por perguntar sobre minha mãe. Estamos acostumados a conviver com pessoas que nos reparam, mas que não nos percebem. Porém, Maia era uma entre as poucas... Ela me percebia. – Quer dizer algo a ele?

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