Fantasma

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Uma longa rua estendia-se à frente, casinhas de dois andares idênticas, as calçadas antes pouco movimentadas para um bairro residencial agora estavam apinhadas; alguns carros foram, então, estacionados de mal jeito pelo meio fio, enquanto os curiosos e vizinhos amedrontados se aproximavam da casa em ruínas. Um grupo de repórteres e fotógrafos tomavam notas de testemunhas sem muito entusiamo. Um deles, revirando os olhos de cinco em cinco segundos, bufando e pensando que tipo de jantar teria naquela noite, estava mais próximo das escadarias da construção atulhada, que ameaçava despencar mais escombros ao simples sopro da brisa fria que maculava a manhã nova iorquina.

Um senhor de meia idade, de cabelos brancos e olhar assustado, tocava nas paredes rachadas e tentava alcançar o topo  dos escombros, falando ao repórter desinteressado ao mesmo tempo que procurava assimilar os acontecimentos anteriores, aparentemente sombrios demais à julgar pelo seu olhar.

- Era como... como um vento ou como um... como fantasma... mas negro... e eu vi seus olhos... olhos brilhantes e leitosos...

Feixes de uma luz pálida empobreciam a paisagem, como algo que deveria ser digno de um campo de guerra.

O repórter escrevia o que ele dizia em meio a um murmúrio baixo de deboche, as feições cansadas escondidas pelo chapéu novo.

- Como uma massa negra, e desceu por aqui. - Apontou, então, para  um pequeno amontoado a sua frente, inegavelmente estranho. - Desceu para o subsolo... Eu juro por Deus... desceu para a terra sobre meus pés!

Enquanto isso, os repórteres fora da construção pareciam mais policiais de tanto que tentavam conter a multidão que não admitia ser ignorada para dar sua palavra do ocorrido e ordenava que ela aparecesse na primeira página matinal. Por isso, ninguém reparou no homem de casaco preto e esvoaçante que fazia soar seus passos ao se aproximar de mansinho pela multidão, um curioso talvez, um homem de negócios sem dúvida, alguém muito mais estranho do que isso...

Era bem vestido, a casaca preta engomada pela escharpe alvíssima; era  notavelmente charmoso, aos pés da meia idade, diferindo muitos dos outros homens ao seu redor. Os cabelos negros e grisalhos bem cortados davam um ar de imponência respeitosa e quase amedrontadora aos olhos observadores e atentos, a intensa confiança que transparecia ao andar sem ser impedido ou notado.

Nada mais podia ser esperado de um dos maiores nomes do MACUSA, Percival Graves, Auror, Diretor da Segurança Mágica e cabeça do Departamento de Justiça das Leis da Magia.

Um homem daqueles estar no meio de uma investigação em campo ao invés de mandar algum outro subordinado, significava muito mais do que o fantasma que o velho tanto se vangloriava de ter visto.

Subiu as escadas das ruínas e abriu a porta que antes levaria a um respeitável hall de entrada, mas agora não era nada mais do que uma decrepita e curta passarela para uma queda dolorosa. Segundo as testemunhas, a casa estava abandonada havia três meses, desde que a morte de um velho senhor permitira que seus herdeiros surrupiassem toda a mobília e vendessem a propriedade. Muito se contava também, aos sussurros, de um mendigo que era visto de quando em quando entrando pelos fundos da propriedade, para dormir. Felizmente, nenhum corpo havia sido encontrado. 

 Seus olhos vagaram pelas rachaduras largas e algo dentro dele inflou quando o relato do velho encheu seus ouvidos.

— Alguém tem que fazer alguma coisa — exclamava o entrevistado, encimado no topo das pedras e areia, como um profeta lunático. - Está acontecendo por todos os lugares...

- Ei! — chamou um dos fotógrafos, aproximando-se do repórter. - Conseguiu alguma coisa?

- Vento negro, blá, blá, blá... — respondeu, desinteressado, passando as páginas de seu bloquinho.

- Foi alguma coisa nas estruturas, ou elétrico - objetou o fotógrafo, analisando o estado da casa. Não seria uma matéria de primeira página, disso não tinha dúvida; estavam perdendo tempo enquanto algum de seus outros colegas deveriam estar do outro lado da cidade cobrindo o resgate de um incêndio ou  a queda de alguma ponte.

Graves, acima de suas cabeças, porém, balançava a cabeça automaticamente para  seus achismos, alerta, esperando que alguma coisa acontecesse, a mão no bolso do casaco preparada para sacar a varinha.

- Ei, quer tomar alguma coisa depois daqui?- propôs o repórter, finalmente deixando o velho de lado.

- Não, não, não estou  bebendo. Prometi à Martha que iria parar... - Não notaram a aproximação de Graves até que um rápido som crepitante de rachadura fez-se ouvir. - É atmosférico...

Outro som de rachadura, dessa vez mais alto, ecoante e próximo. A parede próxima de Graves explodiu em raios como uma nuvem de tempestade, levantando poeira logo em seguida, quando uma massa de terra foi subitamente elevada como se por uma minhoca gigantesca escondida embaixo da terra, que arrastou-se para fora da construção, derrubando o velho do monte de destroços e assustando os repórteres enquanto partia pela rua.

A rua de pedras gemeu ao ser desfeita por uma fenda que se abriu no meio, expelindo canos de esgoto e água para cima; um calhambeque estacionado capotou para o lado e um carro de entregas foi despejado com seu conteúdo que se perdeu no meio da fumaça. Um rapaz, atordoado, se jogou para perto da calçada, agarrado pelo multidão surpresa que recuava sem saber o que fazer.

O que quer que tenha sido aquilo, desapareceu nas ruas seguintes, implodindo janelas e envergando postes, como um vento... Com a força de um furacão...

- Acreditam em mim agora? - exclamou o entrevistado mais uma vez. Graves não ouviu seu discurso de vangloriosa certeza, os olhos varrendo o túnel aberto na pedra da rua. O cheiro do esgoto já escapava a céu aberto, mas aquilo não era a pior coisa no momento. Ainda não podia dizer com todas as palavras que aquela coisa que acabara de destruir metade de um bairro do Brooklyn em alguns segundos era o que ele realmente temia que fosse.

Mas se fosse, ele tinha que encontrá-la​ o mais rápido possível.


Animais Fantásticos e Onde Habitam - O LivroWhere stories live. Discover now