Capítulo 43 - As três chaves

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As coisas não saíram como eu tinha planejado. Segundo Faena, demorei quase duas horas para voltar, o que me deixou bastante aborrecido. Tudo bem, eu imaginava que algo assim poderia acontecer - não foi à toa que fiz ela jurar que me deixaria. Mas até hoje, quando penso em Faena sozinha naquela maldita floresta, me sinto zangado com meu corpo, essa coisinha magra e frágil que vive me deixando na mão.

(Voltemos aos fatos, antes que eu gaste dez linhas me lamuriando).

Quando finalmente abri os olhos, me vi cercado por um pavilhão de folhas verde-esmeralda. A única coisa de que me lembrava era que estava escapando de Elwing com uma dokalfar de Afeldhun. Naturalmente, aquilo me fez despertar aos pulos, chamando por minha companheira. Assim que me levantei, minhas costas e costelas gritaram de dor, e fui obrigado a me deitar de novo. Percebi, então, que Faena estava ali, bem próxima; seu nariz ainda estava ferido, e seus olhos, muito vermelhos, não deixavam dúvidas de que ela havia chorado. Aquilo me deixou com o coração na mão. "O que foi, o que fizeram com você?"

Ela me tocou nos ombros, um pouco rígida, e me impediu de levantar de novo.

"Calma, Eladar. Pare de se mexer. Eu estou inteira, vê? Só tenho um nariz inchado. Fique calmo e lhe explicarei tudo com o tempo. Estamos a salvo, prometo."

Eu me acalmei um pouco, ainda que não soubesse onde estava. Não era mais Elwing, definitivamente; o lugar de agora tinha uma vibração bem distinta... e estranha. Notei que havia mais alguém conosco. Uma mulher, com um sorriso caloroso e, ao mesmo tempo, matreiro. Era idosa, tinha cabelos cor de pérola e uma pele de avelã muito bonita. Por alguma razão, soube quem ela era de imediato.

"Maúna?", murmurei, olhando para Faena. Ela me encarou com assombro, mas a mulher riu. "Você falou de mim, filhote de águia? Imagino que sim. É MA-UL-NA, querido."

"Prazer, senhora.", eu respondi. "Ma-Ul-Na".

Ela achou graça, creio, porque sorriu. Mamãe sempre diz que, quando eu volto de alguma crise ou de um desmaio, falo de um jeito gozado (Dufel tem um modo menos delicado de descrever o fenômeno: "El, você soa como um pato bêbado."). Porém, Ma Ulna não parecia apenas entretida. Ela me olhava com curiosidade, interesse até, e eu comecei a achá-la familiar, por motivos que ignorava.

"Eladar.", Faena chamou, "Sei que deve estar com muitas dúvidas, mas preciso que me ouça. Consegue prestar atenção?".

Respondi que sim, mas tive que perguntar quanto tempo eu havia dormido. "Você ficou um bocado de tempo fora, cerca de duas horas, mas isso não importa, não mais. Escute, eu sei que ainda está com sono, mas precisamos que fique acordado, só por alguns instantes."

"Perdão, Faena... eu achei que demoraria para voltar, mas não tanto...".

Ela me silenciou. "Shhh. Você não teve culpa. Agora, escute. Preciso fazer um convite. Mantenha-se olhando para mim."

Eu não entendi, mas obedeci. Arregalei meus olhos até que quase saltassem das órbitas. Faena franziu o nariz inchado naquele sorriso a contragosto, tão próprio dela, e eu vi sua aura brilhar um pouco mais. Depois, ela se levantou.

"Eladar de Silena.", disse, solene. "Eu, Faena Eochad, filha de Duncan e Fierna Eochad, Asynja de Afeldhun, convido-lhe a entrar na floresta dentro da floresta. Para isso, eu ofereço a você as três chaves sagradas, de livre e espontânea vontade. Que os espíritos sejam testemunhas."

Ela desembainhou sua espada. Ma Ulna amparava minhas costas para que eu ficasse meio sentado. Observei, curioso, enquanto Faena fazia um pequeno corte no polegar e se aproximava. "Me dê sua mão do poder", ela pediu, e eu estendi meu braço esquerdo.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora