O que você acha?

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"Camz..." Não consegui nem ter uma reação imediata para o que eu vi naquele momento. Lauren levava uma mochila nas costas, o cabelo revoltado e os olhos vermelhos quase uma versão pós 18 anos de She Will Be Loved do Maroon 5.

"Lo, o que aconteceu? Entra, por favor" peguei a mochila de suas costas enquanto a levava para o sofá da sala.

"Ela disse que não irá admitir que a filha dela seja lésbica, que Deus fez da gente sua imagem e semelhança e que isso é o câncer da sociedade atual" a mãe dela é advogada? Falou bonito. Mas de que adianta falar bonito e falar abobrinha, né?

"Lo, eu não sabia que a sua mãe era religiosa" ela me olhou soltando uma risada sarcástica.

"Ela não é, mas já que não tem outra explicação, ela reproduz a dos outros. Minha avó falaria isso..." Segurei suas mãos e as acariciei com as minhas. Dei alguns beijinhos em sua bochecha enquanto ela repousava seu rosto em meu ombro. Olha, sei que nós temos que agradecer muito aos nossos pais por terem cuidado tanto da gente, ter cuidado da gente naquelas noites em que estávamos doentes, que trocaram nossas fraldas (minha mãe diria isso) quando fazíamos escândalo no shopping querendo que eles comprassem aquela boneca que faz xixi, cocô e fazia lambança por toda a casa, se dedicaram em reaprender a fazer matrizes só pra nos ensinar... Mas tem certas coisas que eles devem deixar pra que a gente escolha, né? Futebol não é como a sexualidade. Se a família inteira é Flamengo, a criança tem 90% de chances de torcer para o Flá, 8% dela não gostar de futebol e achar uma burrice vendo aquela galera correr por causa de uma bola por 90 minutos, e 2% de ser o que Rita Lee chama de 'Ovelha Negra da Família". Mas não dá pra dizer quantos héteros-não praticantes uma família terá. Ser hétero não é uma doença, por tanto não se "transmite". Se ser hétero não é uma doença, ser gay também não é. Então vamos parar com a palhaçadinha? Vamos!

E quanto a boneca que faz xixi e cocô: ela é bizarra. Meu tio uma vez deu uma dessas para uma prima minha e uma vez deu revertério na boneca. Pois é, a menina deu tanta papinha pra "criança" que ela ficou entupida. Pelo menos já deve saber o que é prisão de ventre na prática.

Vou virar Youtuber se nada der certo.

"Fica aqui, se não quiser voltar pra casa, meu amor" ela levantou a cabeça para me olhar, ainda com tristeza. Meu coração tá se partindo.

"Camz, eu não tenho muita escolha. Ela mandou eu só voltar pra casa quando eu parar com isso... De ser gay" agora sim eu senti meu coração se quebrando. Uma mãe que carrega um filho por nove meses na barriga, que aprende a amá-lo com todas as suas qualidades e defeitos não tem a capacidade de aceitar a felicidade dele. E se dissesse que eu tô fazendo a Lauren se drogar, tomar tarja preta, se afundar ao ouvir Biel, mas não, eu só estou dando amor e prazer pra ela. Senhora, isso é um crime?

"Você vai ficar aqui comigo!"

"Kaaaaki, Kaki, Kaaaaaki"

"Oi Sofi, tô na sala" consegui ouvir minha irmã descendo as escadas como os Bananas de Pijamas, mas no passo do elefantinho. Soltei minha mão da de Lauren para olhar aquele serzinho pequeno que corria em minha direção. Ela olhava pra Lauren sorrindo, envergonhada e se encostando em mim. "Diz 'Oi' pra Lauren, Sofi".

"Oi..." Ela disse sorridente enquanto se escondia na minha camiseta. Eu comecei a rir e fazer cócegas nela e Lauren sorria pela primeira vez desde que entrou na minha casa aquela noite. Como é agoniante ver a pessoa que a gente ama triste desse jeito e não ter o que fazer pra pessoa se alegrar. As vezes eu só falo bobagem pra que as pessoas riam, mesmo que pra elas eu pareça uma idiota. Não sei, sabe? Fazer as pessoas sorrirem causa um sentimento bom. Ou sentimento Bozo. Sei lá.

SerendipityWhere stories live. Discover now