Capítulo 3 - Egoísta

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Ao chegar, estranhei encontrar o portão trancado, principalmente porque minha mãe não havia avisado que iria sair. Pulei o muro pelos fundos e cai na grama do jardim quase torcendo o pé. Me levantei ainda um pouco dolorida e procurei a chave reserva que ficava em baixo do tapete da varanda. Senti um calafrio percorrer todo o meu corpo e me lembrei da última conversa que tivemos. Aqueles olhos vermelhos e o rosto melancólico dela me fizeram acreditar que algo errado estava acontecendo.

A procurei por toda casa, mas encontrei apenas um bilhete preso a geladeira escrito em vermelho. Me sentei na mesa ainda com medo de lê-lo e após relutar por alguns segundos, respirei fundo e me concentrei no que estava escrito.

"Filha não quero que você se culpe ou que fique triste, mas eu precisava me afastar por um tempo, precisava pensar melhor no que eu estou fazendo da minha vida, precisava de um tempo para cuidar de mim. Quero que seja forte e saiba que me orgulho muito da mulher que você se tornou. Mas quero que você aproveite mais sua vida. Que não tenha medo de viver, que saia mais daquele quarto e procure ser feliz. Não sei quando vou voltar, mas sei que ninguém nesse mundo me entenderia melhor..."

Te amo

Mamãe

Manchei todo o papel com as minhas lágrimas. A tinta vermelha agora mais parecia com gotas de sangue recém-caídas. Não me lembrava da última vez que tinha me permitido chorar. Sempre reprimi essas expressões de tristezas. Achava que chorar era um grande sinal de fraqueza, mas o simples fato de imaginar o que poderia ter levado minha mãe a tomar uma decisão como essa, me deixava assustada e com medo.

Apesar da nossa convivência solitária e com pouca interação, eu me sentia segura por saber que ela estaria sempre por perto. Sua presença me deixava feliz, mesmo que não conseguisse demonstrar tanto quanto ela merecia. Tentei entende-la apesar da tristeza, pois sabia que ninguém havia sofrido mais do que ela com toda aquela rotina maçante e monótona.

Ainda com aquele bilhete se desfazendo por entre meus dedos, fui para o meu quarto e decidi que não iria mais me encontrar com o Talis. Não conseguia criar forças para vê-lo de novo, até que me lembrei da frase que minha mãe havia escrito no bilhete dizendo que eu tinha que viver sem medo, que devia ser feliz. E o Talis era o único vislumbre de felicidade que eu conseguia enxergar naquele momento. Estar com ele era com certeza um erro, mas ao olhar naquele oceano que enchia seus olhos tudo fazia sentido. As cores ganhavam vida e as notas musicais, outrora presas na minha cabeça, ganhavam o ar.

Prendi o bilhete no meu caderno de música e o deixei aberto para poder sentir a presença dela. E mesmo parecendo loucura almocei ao lado dele e tentei imaginar que roupa ela me aconselharia a usar e acabei escolhendo o vestido florido que ela havia me dado de presente no ano anterior e que nunca tinha tido coragem de usar.

Me vesti e fui ao encontro dele. Andei por todo o caminho com a cabeça baixa. Talvez por medo dos olhares que poderia receber de volta das pessoas que encontrasse e ao me aproximar da entrada do campus o avistei me esperando sentado na calçada. Ele sorriu com os olhos e se levantou me olhando dos pés a cabeça. Esfreguei minhas mãos uma centena de vezes para tentar manter a calma. Mas todo o esforço foi pelos ares quando ele beijou meu rosto.

- Para onde você vai me levar? - perguntei antes de pegar o capacete.

- É surpresa, lembra?

Suspirei fundo antes de subir na moto e olhei para todos os lados para ter certeza que Jéssica não estava por perto. Podia parecer paranoia, mas eu não estava preparada para confronta-la, mesmo que para dizer que éramos apenas amigos.

Não quis abraçá-lo por medo que ele confundisse minhas intenções ao ir naquele passeio. Fiquei com os braços para trás, tentando manter o equilíbrio. O que se tornou quase impossível quando entramos em uma estreita estrada de terra. Agarrei sua cintura quase que por reflexo quando passamos em cima de algumas pedras e fiquei feliz por ele estar de costas e não ter me visto corar.

Sempre Vai Haver Uma CançãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora