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A tempestade caía incessante do lado de fora da cabana de madeira. Ao lado de seu arco, um artefato que havia sido roubado de uma loja de pesca e que estava sendo muito útil naquele caos onde as munições estavam cada vez mais escassas, Nivlek dormia um sono inquieto. Aquela chuva e a calmaria da cabana... Tudo estava tão em seu devido lugar que sentia que, a qualquer momento, os Clones chutariam a porta e os levariam sabe Deus aonde pra fazer sabe Deus o quê...

Nivlek desiste de dormir. Ainda estava vivo em sua mente sua última conversa com aquele amigo que ele nunca conheceu, mas que sempre tinha uma surpresa na manga. Duvidava de que os Clones o tenham pegado, mas não tinha mais certeza. Todos os que conhecia haviam sido pegos, enquanto os Clones só aumentavam. Pareciam insetos se procriando e infestando a casa até não haver mais espaço para andar sem ter alguns deles grudados na sua perna. Virou o corpo, repousando a pata no raiser do arco por puro costume. Aquilo o fazia se sentir seguro enquanto se permitia distrair com os contornos da madeira do teto. Podia até ver as palavras flutuando perto do forro, enquanto os trovões ao longe faziam coro com as gotas que batiam no telhado.

Lobì? Você está aí?

E aí, maninho!

Como estão as coisas aí?

Está sabendo da invasão?

Claro, tanto que já tenho um plano preparado e uma 
mochila pronta.

Já preparou a sua?

Não ainda.

Então vou facilitar: 

Pegue tudo o que for útil. Canivetes, fósforos, lonas, cordas...
Até barraca lhe será útil. Encha sua mochila,
mas não a deixe pesada. 
Você precisa ter o suficiente
para cobrir longas distâncias, 
mas sem pesar
muito para caso precise fugir ou coisa assim.

Você parece tão calmo...

E você meio nervoso... Tente se acalmar e manter a cabeça fria. ;)

Mas você tem treinamento, eu não!

Lobì?

Lobì você tá aí???

Nivlek nunca recebeu um retorno. Em um mês, os servidores de internet caíram, colocando o mundo já caótico em um verdadeiro inferno. Ele estava na loja de pesca com seu pai quando os Clones atacaram. Tudo o que pensou em fazer foi pegar o arco na vitrine e atirar flechas a esmo contra os Clones. Ainda se lembrava dele. Como era daltônico, sempre gostou de imaginar que todos os raposos eram azuis, apesar de sua vista. Ele se via totalmente sem cor, como um filme antigo, enquanto tudo ao seu redor era colorido, exceto alguns de seus lápis de cor e algumas de suas roupas. Até as rosas que sua mãe plantava no quintal de casa eram desprovidas de cor. Até da revolta que tinha com os testes de optometria semanais que fazia ele sentia falta.

Um uivo ecoou perto dele. Instintivamente, sua pata já pega uma flecha e a prepara no arco em um segundo e estava prestes a atirar quando viu Aaron do outro lado da ponta.

-Aaron! Que susto, eu podia ter te matado!

Aaron era um lobo que servira de tradutor por muito tempo, na mesma organização onde Nivlek trabalhava. Foi o único que sobrou de quem Nivlek conhecia. E o mesmo valia para Aaron.

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