Epílogo

36 10 3
                                    

Um ano mais tarde...

O sol começava a pôr-se no horizonte quando uma nova enchente de pessoas saiu da estação de metro de S. Sebastião. Entre elas estava uma jornalista que apertava o cachecol contra o pescoço, para se proteger do frio de novembro.

A senhora caminhou até ao jardim da Fundação Calouste Gulbenkian e entrou, na esperança de encontrar a pessoa com quem se tinha combinado encontrar. Já lhe acontecera ter fontes que mudaram de ideias à última hora e que nunca apareceram. No entanto, havia algo nas mensagens daquela rapariga que lhe dizia que ela ia lá estar.

Como confirmação de que o seu instinto estava certo, a senhora avistou uma rapariga ruiva, com o cabelo atado numa trança, de pé no meio das árvores e círculos de água que assentavam sobre as folhas vermelhas.

- Olá, sou a Carla. Tudo bem? Falámos no outro dia na internet.- para todos os efeitos, esta conversa seria passada em inglês.

- Olá, sim eu lembro-me. Muito prazer em conhecê-la.- a rapariga cumprimentou-a, desajeitadamente, com dois beijos na cara. Ainda não se habituara completamente aos costumes de Portugal.

- Antes de começarmos gostava de lhe fazer uma pergunta. Emily é o seu verdadeiro nome?

- Não, é apenas o pseudónimo que eu escolhi.

- Porque é que só decidiu revelar a sua história agora? A Emily e os seus ente-queridos já não se encontram em perigo?

- O perigo nunca se irá embora. Simplesmente, a melhor maneira de o combater é trazer a verdade ao de cima. Tal como eu lhe expliquei, esta organização funciona na base do secretismo. Se lhes mostrarmos que estamos atrás deles e que sabemos quem eles são, talvez deem um passo em falso.

- Está a falar da Altum, certo?- a ruiva acenou afirmativamente.- Eu achava que a Emily já me tinha contado tudo por mensagem. Porque é que se decidiu encontrar comigo?

- Por um lado, queria conhecê-la em pessoa para ter a certeza que posso confiar em si. Por outro, há algo que eu lhe quero dar e só lho posso entregar assim.- ela tirou uma pequena caixa da sua mala e deu-a à jornalista.- É imperativo que só a abra quando estiver sozinha e num lugar seguro. Confio em si para guardar e estimar o seu conteúdo com bastante cuidado, mesmo que não seja o original.

- Uma cópia? Independentemente do que está aqui dentro, se eu não apresentar o original, a legitimidade do meu trabalho será questionada e pode vir a cair por terra.

- Não se preocupe, em relação a isso já está tudo tratado.

- É possível dizer-me o que aconteceu a seguir ao dia em que pararam o Propósito?

- Eu, a minha mãe e Dan, o rapaz que perdeu o irmão gémeo, ficámos uns tempos na Antuérpia onde eu acabei por encontrar o conteúdo dessa caixa. De seguida, voltámos ao Reino Unido, para o funeral do meu amigo e estamos agora a viver os três aqui em Lisboa.

- Essa história está demasiado resumida. Como foi para Dan perder o irmão gémeo? Ele culpou-a? E porque é que ele vive consigo e não com os pais?

- Bem... Isso são muitas perguntas. Eu acho que Dan não me culpou pelo que aconteceu, apenas precisava de gerir e ultrapassar a dor longe de todos, daí se ter isolado. Mas ele agora está bem e está a viver connosco, simplesmente, porque não tem uma relação com os pais.

- E por falar em pais, como é a relação com a sua mãe?

- Ambas nos esforçamos por manter a confiança uma na outra e voltar a ter aquele elo que tínhamos anteriormente. Embora, claro, tenhamos os nossos momentos menos bons. Acho que já se está a fazer tarde devíamos ir andando.

- Também acho. Foi um prazer conhecê-la.

- Igualmente.

Quando Ava saiu do jardim, começou a lembrar-se do dia em que encontrara o documento de Isaac. Fora no último dia da sua estadia na Bélgica.

David encontrava-se demasiado deprimido para encarar quem quer que fosse e a sua mãe estava demasiado ocupada a ajudar nos interrogatórios e a escrever relatórios para lhe dar atenção. Sendo assim, Ava passava os dias na antiga livraria de Isaac, sempre seguida e vigiada por vários guarda-costas. Ao ler aqueles livros era como se ficasse a conhecer melhor o seu velho amigo e fazia com que se sentisse mais próxima dele.

Naquele dia, tinham de regressar mais cedo, por isso ela apressou-se a sair. Sabia bem como os guardas-costa presavam a pontualidade. Ao pisar aquela tábua, em frente da porta, que rangia, a rapariga teve uma epifania.

- Ajuda-me a tirar esta tábua!

- O quê?- interrogou um dos guardas-costa dela.

- Tu ouviste-me bem. Eu acho que há algo debaixo dela.

- Houve alguns agentes que falaram com os clientes da loja, há alguns anos. Todos eles referiram a tábua que rangia.

- E é por isso que ninguém ia suspeitar.

- Nós já estamos atrasados. Temos de voltar imediatamente, para fazeres as malas.

- Eu não tenho praticamente nada para guardar. Isto só demora uns minutos, por favor!

Relutantemente, o homem foi buscar umas ferramentas às traseiras da loja. Quando finalmente tirou a tábua de madeira do seu sítio, ficou estupefacto. Dentro do buraco encontrava-se um pequeno cofre.

- E agora, fazes alguma ideia de qual é o código?

- Não sei, deixa-me pensar.

- Não temos tempo para isto, Ava. Anda, deixamos isto para outra pessoa.

- Eu só preciso de cinco minutos para pensar.- ele olhou para como se ela estivesse a começar a abusar.

De repente, a ruiva levantou-se e começou a folhear um livro sobre numerologia judaica que estava numa prateleira.

- Um minuto.- avisou o guarda-costas.

- Ainda nem devem ter passado dois minutos... Encontrei!

- Qual é a combinação?

- 10-5-6-5.- ao colocar os números, o cofre abriu-se.

Mais tarde, naquela noite a mãe de Ava perguntou-lhe como é que ela acertara no código logo na primeira tentativa.

- A última coisa que Isaac disse antes de sair da Bélgica foi "Terei sempre Deus a proteger os meus segredos".- respondeu ela.- Acontece que na numerologia judaica Deus é formado por quatro letras: Yud (10), Hei (5), Vav (6) e Hei (5). Encontrei esta informação num livro da loja de Isaac.

- Estou deveras impressionada. Um dia ainda acabas a trabalhar comigo.

*  **  *

Eram nove da noite quando Carla decidiu abrir a caixa. Naquela semana o filho de dez anos estava com o pai, por isso pudera jantar e tomar um copo de vinho descansada.

Permaneceu parada durante uns minutos, a tentar ganhar coragem para a abrir quando pensou: "Não é como se estivesse aqui uma bomba". No entanto, a informação contida naquela pequena folha de papel era, sem dúvida nenhuma, explosiva.

Depressa se lembrou da notícia do assassinato de um embaixador britânico de há uns anos que tinha sido bastante mediático devido às falhas da investigação e alegações de corrupção. Se aquela informação estava certa, tinha nas suas mãos os nomes de todos aqueles que tinham contribuído e como o fizeram. Ali encontravam-se alguns nomes bastante poderosos e sonantes, outros nem tanto.

Carla só conseguia imaginar o sobressalto que aquele homem tivera ao encontrar aquela folha. Como era o nome dele? Não interessa, de qualquer das maneiras devia ser falso.

A DemandaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora