Epílogo

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Brasil, 2016

A casa dos Hamilton continuava igual, depois de quase três séculos só a pintura mudara, mas a estrutura e os móveis continuavam os mesmos. E Biatriz Tavares era fascinada por artefatos e residências antigas. Ela trabalhava na redação de um jornal local da sua cidade e assim que ficou sabendo sobre a casa do século XIX que fora tombada e transformada em patrimônio histórico, falou com seu chefe de redação e pediu para usar uma notícia sobre a casa como matéria de capa. Ele deixou e em uma noite de quinta-feira, Biatriz mandou um E-mail para Daniel Hamilton, o atual dono da propriedade e responsável pela curadoria. Daniel aceitou recebê-la no sábado de manhã e assim ela fez.

Na manhã da entrevista, Biatriz estacionou o carro em frente a casa enorme e saiu do veículo impressionada com a beleza rústica do local. Ela subiu a grande escadaria, e bateu na porta com um batedor de ferro, daqueles vistos em filmes com castelos assombrados. Alguns segundos depois, um homem a atendeu e Biatriz engoliu em seco. Ela imaginava que o dono de uma casa antiga fosse velho e barrigudo, não alto e charmoso.

- Oi, eu sou Biatriz Tavares. - estendeu a mão e ele a apertou. - Muito obrigada por aceitar dar a entrevista.

- Muito prazer. - ele sorriu. - Eu fiquei muito empolgado com seu E-mail. Eu que agradeço o interesse pela casa. Entra, fique à vontade.

Biatriz deu uma boa olhada na sala repleta de pinturas e móveis que só podiam ser vistos em romances de época. Estava completamente encantada e não se conteve em se aproximar de um quadro sobre a lareira. A tela mostrava uma mulher bem vestida e bonita. Ela estava de pé ao lado de uma janela e mantinha um livro de capa marrom abraçado contra o peito.

- Aquela era Anabete Hamilton. - Daniel disse ficando atrás dela. - A história dela é realmente digna de um livro.

- Qual a história dela? - Biatriz não conseguia tirar os olhos da pintura.

- Bom, Anabete era órfã de mãe e passou metade da sua vida num convento. Quando estava com vinte e um anos, por aí, seu pai, que trabalhava como mordomo nesta casa, a chamou para trabalhar aqui também.

- E o que aconteceu? - a jornalista se virou para encontrar os olhos azuis de Daniel.

- Anabete começou a trabalhar como empregada de Robert Hamilton, o dono da propriedade, e eles se apaixonaram. Tiveram que enfrentar os julgamentos da sociedade para ficarem juntos, já que ela era pobre, mas tiveram um final feliz.

- Sério? Isso aconteceu mesmo?

- Sim. Inacreditável, não é? Aquele era Robert. - apontou para outro quadro na parede ao lado.

Robert em pé ao lado da lareira, com uma das mãos no bolso do casaco, e o queixo erguido. Os olhos azuis vibrantes como os de Daniel fizeram Biatriz sorrir e dizer:

- Você parece com ele.

- Não. - riu. - Nem de longe consigo ser tão galanteador como ele foi.

- Como sabe que ele era tão galanteador assim?

- Foram encontradas cartas escritas por Anabete por volta de 1833... Nas primeiras cartas ela o descrevia como arrogante e insuportável, nas últimas, quando ela já estava apaixonada por ele, as palavras mais usadas foram: galanteador, atraente, apaixonante...

Os dois riram.

- As cartas ainda existem? - ela quis saber.

- Sim. Quer vê-las?

- Claro!

Ele fez um gesto com a mão para que ela o acompanhasse e subiram um lance de escadas. Porém, Biatriz parou ao ver uma pintura maior ainda, nesta estava toda a família Hamilton.

- Estes são Anabete, Robert, os filhos e o avô das crianças. - Daniel pôs as mãos nos bolsos. - A mais alta era Alice Hamilton, foi a primeira filha dos dois, depois tiveram Danilo, Mariane, Nicholas e Catarina.

- Era realmente uma família bonita!

- Sim. Muito.

- Quanto tempo eles viveram aqui? - continuaram subindo as escadas e chegaram a um corredor largo.

- A vida toda. Robert e Anabete morreram juntos quando já tinham uma idade avançada e todos os filhos já tinham casado e gerado mais descendentes.

- O quê? Como?

- Anabete ficou doente. - ele abriu uma das portas do corredor. - E Robert não suportou a dor de perder a esposa. Dizem que ela estava em seu leito de morte, falando suas últimas palavras, quando ele deitou ao seu lado naquela cama.

Eles estavam no quarto de Robert e Anabete agora.

- E...? - Biatriz estava tão empolgada com a história que nem pareceu notar as janelas enormes decoradas com pesadas cortinas de veludo.

- E quando Anabete fechou os olhos, Robert fechou os dele também. E se foram.

- Ah, meu Deus!

- Eles tiveram uma vida maravilhosa aqui. Muitos filhos, netos... e continuaram juntos na morte. - Daniel foi até o armário e pegou uma caixa de madeira, sentou na cama e a abriu. Biatriz foi para o seu lado e viu as cartas escritas em papel amarelado e já gasto pelo tempo. - Pode ler todas. Fica à vontade.

- Obrigada. - ela pegou uma qualquer.

- Eu recomendo que leia pela ordem das datas. Vai entender a história deles ainda melhor. Muitas intrigas com uma tal Celina Montez. Ela queria casar com Robert também.

- Nossa. Ele era bem disputado.

- Eu disse que ele era galanteador.

Biatriz leu um pouco das cartas, mas sua curiosidade sobre o homem ao seu lado foi mais aguçada e ela perguntou:

- Você vive aqui sozinho?

- Vivia. Estou me mudando amanhã para um apartamento.

- Por quê? Não gosta mais da casa?

- Não é isso. Eu amo esse lugar, cresci aqui, e pretendia morrer aqui também, mas decidi abrir a propriedade para o público. Por isso está tombada.

- Será um museu? - perguntou impressionada.

- Isso. Só estou instalando um sistema de segurança e contratando uns funcionários... Mas daqui uns meses vou inaugurar oficialmente.

- Isso é fantástico! Eu com certeza vou vir visitar esse lugar mais vezes! Sou apaixonada por história, e principalmente pelo século XIX. - ela riu e então notou que Daniel a encarava com um sorriso doce nos lábios, quase como se a admirasse.

Biatriz sentiu as bochechas ficarem quentes e baixou a vista para as cartas em suas mãos. Para ela, essa era a melhor forma de disfarçar.

- Você já teve a chance de jantar em um lugar assim? Com pratos de porcelana e talheres de prata?

- Nunca. - riu como se ele estivesse falando loucura. - Só vi isso em filmes.

- Olha, essa é minha última noite aqui, eu adoraria ter uma boa companhia durante o jantar de despedida.

Biatriz arqueou uma das sobrancelhas e Daniel continuou:

- Se você não estiver ocupada hoje, seria uma honra para mim ter sua companhia.

- E você ainda diz que não é galanteador como Robert. - ela sorriu.

- Acho que é de família. - encolheu os ombros e a jornalista afirmou com a cabeça.

- Eu vou adorar um jantar.

- Perfeito.

Ele sorriu quase como Robert sorria todas as vezes em que olhava para a esposa.

Aquele era o tipo de sorriso que só se era visto quando algo verdadeiro estava prestes a acontecer.

Qualquer Negócio ✓Where stories live. Discover now