Prólogo

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  Eu corri pela mata sem me importar com os gritos do meu pai que me seguiam. Ele chamava meu nome com a raiva de um pai humilhado na frente de outro homem e que, se eu fosse uma boa filha, iria se tornar parte da nossa família também.

Mas eu não era uma boa filha, quer dizer, eu nunca fiz nada de errado, nada que os fizesse ficarem preocupados comigo.

Eu seguia as suas regras em casa e fora dela, eu ajudava nos afazeres da nossa pequena propriedade, ajudava a mãe na confecção e nunca reclamei, não deixei de fazer nada que eles me pediam. Até aquele momento.

Eles queriam que eu casasse, o que não era algo incomum já que eu estava na idade para isso. Mas eu nunca gostei do meu pretendente, ele tinha tentado me beijar a força mais de uma vez e sempre que me via não perdia a oportunidade de fazer comentários maldosos ou totalmente inapropriados.

Além disso, ele tinha trinta anos a mais do que eu.

Meus pais se casaram em um casamento arranjado também, mas eles tinham praticamente a mesma idade e meu pai sempre foi uma pessoa honrada, em nada parecido com o meu pretendente.

Todos sabiam na vila que ele mexia com coisa errada. Ele fez sua pequena fortuna roubando viajantes e extorquindo pequenos comerciantes que eram intimidados por eles.

Meus pais queriam um bom futuro para mim e eles achavam que era um bom arranjo. Mas eles não me perguntaram sobre isso. E eu preferia morar na floresta, vivendo de frutas e dormindo ao relento, do que me casar com aquele homem asqueroso.

Eu corro sem parar e a floresta começa a se fechar ao meu redor. Eu já estou longe da minha casa, mas eu não paro. Continuo correndo para longe daquele futuro que meus pais queriam me impor.

Paro quando tenho certeza que não corro o risco de meu pai me alcançar, olho ao redor e tudo o que vejo são apenas árvores.

Eu nunca senti medo da floresta, apesar das histórias que eu ouvia no mercado principal.

Muitos diziam que um lobisomem morava nas entranhas da floresta, e que ele não gostava de intrusos nas suas terras.

Algumas pessoas que foram procurá-lo, em busca de glória ou apenas uma aventura depois de alguns copos de cerveja a mais, nunca voltaram. Era o que diziam.

Eu não tinha dado atenção a essas histórias antes, apenas ficava encantada com a ideia de um homem que podia se transformar em um animal tão cheio de mistérios.

Mas agora aqui, sem saber em que parte da floresta eu estava, e nem saber por onde eu tinha vindo mais, essas histórias começaram a parecer bem menos encantadoras.

A floresta era tão espessa ali que quase bloqueava o sol, tornando-se difícil de ver qualquer coisa muito longe. Eu me virei para ver se me lembrava do caminho que fiz para chegar aqui e foi quando eu o vi.

Eu senti um fio de medo correr pelas minhas costas me paralisando no meu lugar.

O lobo estava lá parado, me observando atentamente. Quando viu que eu o olhava, ele começou a rosnar para mim, mas sem se mover.

Seus pelos eriçados eram da cor da neve e seus olhos cinza pareciam dizer que ali era seu território e que ele não permitiria ninguém invadindo suas terras. Mas por algum motivo, pelo qual eu estava grata e muito, ele não avançou. Ele só estava lá, parado.

E eu também.

Mesmo que eu quisesse não poderia me mover. Minha perna parecia grudada no chão, meu corpo protestando da corrida até aqui e, quando eu olhei para baixo, tentando parecer menos uma ameaça — o que eu realmente não era — para o lobo, eu percebi uma mancha de sangue em meu vestido.

Estava doendo? Sim, mas o meu medo estava eclipsando todo e qualquer outro sentimento que eu pudesse sentir naquele momento.

Algo atrás de mim fez barulho e eu ia me virar para olhar, mas fui impedida pelo rosnado alto que o lobo deu.

Eu o olhei, com os olhos arregalados, como quem perguntava o que ele estava esperando e implorando para que ele fosse rápido em sua investida, mas ele continuou parado.

O motivo, eu soube alguns minutos depois quando a silhueta de um homem, vestido com um grande casaco de peles da mesma cor da pele do lobo, apareceu do lado do grande animal e passou a mão por entre seus pelos.

— Me dê apenas um motivo para não te matar. Eu não gosto de intrusos na minha terra. — ele disse e pela primeira vez olhou para mim.

Seus olhos eram escuros, como seu cabelo.

Não sei se era pela falta de luz na floresta, mas parecia que eles eram negros e nem mesmo íris ele possuía. Os olhos de um lobo.

Eu não podia lhe dar o que ele queria, mesmo que minha vida estivesse dependendo disso.

Eu não tinha um.

A sombra do LoboDonde viven las historias. Descúbrelo ahora