Depósitos de Estrelas

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─ Olha aqui, você tem todo direito de estar aborrecido. Mas não espere que eu peça desculpas por dizer a verdade, porque eu não o farei. Você foi rude com a sra. Dolittle, parecia até uma cópia do Marshall falando.

Era muita cara de pau.

─ Se não pretende pedir desculpas, o que veio fazer aqui?

─ Você parecia atordoado quando deixou a biblioteca, vim ver se estava bem, e também te trazer isto. ─ chiou, estendendo o livro para mim, as unhas roídas cravadas na capa.

A Cara de Coruja realmente achava que me dobraria com aquela atitude? Que me trazer uma porcaria de livro mudaria as coisas? Pois bem, ela estava redondamente enganada.

─ Não vai pegar?

Arranquei o livro da sua mão, Noite de Reis. Em outras circunstâncias eu teria agradecido o favor, mas as coisas que ela me dissera na biblioteca ainda dançavam na minha cabeça junto à imagem de sua mão entrelaçada à daquele estrupício metido a David Beckham.

Seus lábios se apertaram, provavelmente esperava que eu dissesse alguma coisa - morreria esperando – enquanto seu corpo sacudia para frente e para trás apoiado nas pontas dos sapatos laranja adornados por desenhos de flores, corações e cartoons. Péssima desenhista.

As meias de bolinhas vermelhas tinham dado lugar às de estrelinhas azuis, e a saia no meio da canela de flamingo dera lugar a um macacão pula brejo. Não me assustaria se de repente a família Buscapé aparecesse para buscá-la.

─ Meu primeiro contato com Shakespeare foi através desse livro. Eu tinha acabado de fazer cinco anos quando a mamãe me disse que o meu nome era Viola por causa da personagem principal de Noite de Reis, ela também se chama Viola. No mesmo dia subi em uma estante e peguei um exemplar para mim. Não entendi muita coisa na época, mas já reli umas vinte vezes.

E quem foi que perguntou?

Era tudo o que eu precisava, um livro que ficasse me lembrando o tempo todo da existência de Viola Beene.

É o que eu sempre digo: Não há situação ruim que Shakespeare não possa piorar.

─ Não vai falar nada? ─ Outra soprada na franja. ─ Por acaso o gato comeu a sua língua?

─ Nem vem.  Eu não vou fingir que está tudo bem. Você me chamou de cavalo, esqueceu?

─ Na verdade, apenas perguntei se está treinando para ser um.

─ Dá no mesmo. ─ De repente, me lembrei de que ser visto com a Beene não pegaria nada bem, e olhei para os lados para ter certeza de que não havia ninguém por perto.

─ Não dá não. Perguntar é diferente de afirmar.

─ Seja como for, não estou interessado em suas desculpas.

─ E quem disse que eu estou pedindo desculpas? ─ Ela me olhava com ar sério, os olhos azuis franzidos. ─ Eu as pediria se estivesse errada, mas acontece que não estou. Você foi rude com a sra. Dolittle, e foi rude comigo também, lembra? Você disse que eu não valho a pena, faz alguma ideia de como aquilo me machucou?

Machucou? Ela deveria me agradecer por tê-la poupado do pior.

─ E? ─ cruzei os braços e devolvi o olhar na mesma moeda. A luz do corredor refletiu em seus olhos, e o sangue em minhas veias gelou. Apesar de todo o resto ser uma bagunça, eu precisava admitir, aqueles olhos eram fantásticos, como  pequenos depósitos de estrelas.

─ Viu só, é disso que eu estou falando, você não pensa duas vezes antes de magoar quem quer que seja. Você não liga. Não se importa. Age como se todos fossem obrigados a aturar suas grosserias só porque é filho do Dementador e ele praticamente manda na cidade. Mas acontece...

Viola e Rigel - Opostos 1Where stories live. Discover now