Capítulo 31 - Entre amigos

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Era mais uma memória do que um sonho.

Faedran se lembrava de tudo, tudo. Fazia dois anos, mas parecia que tinha acontecido há poucos dias. Faena e ele tinham quinze, na época. 

Prenderam sua irmã em um lugar muito pequeno, o porão de um depósito em uma fazenda incendiada. Faedran sabia como ela detestava lugares fechados e sem luz. Como Duncan não queria derramamento de sangue, Faena esperou lá até que os dokalfar conseguissem convencer os estúpidos humanos da vila de Dorvin de que não havia riquezas ou tesouros em Afeldhun; não havia nada que estivessem escondendo, nenhuma fonte da juventude ou de magia. Demorou quatro dias, e Faena só foi libertada porque Duncan se ofereceu no lugar da filha. Quando Faedran finalmente foi buscá-la, ela estava em choque, desidratada e com fezes de cavalo por todo o corpo, numa tentativa de deixar seu cheiro oculto. O pai deles ainda ficou em posse dos aldeões por uma semana, e ele nunca tinha dito o que fizera para conseguir sair de lá. Depois daquilo, no entanto, eles não voltaram a fazer comércio com o vilarejo, e Faena nunca mais foi a mesma. Faedran tinha dito a si mesmo, até ali, que a doença de seus pais mudara sua irmã. Mas não era verdade.

Ela acreditava que podíamos mudar as coisas... ela acreditava nas pessoas...  ela sorria e gostava de conversar... até que eles partiram seu coração. 

– Dokalfar? – uma voz o chamou – Faedran?

Ele abriu os olhos, confuso. Tinha caído no sono em uma pilha de feno, deitado de barriga para baixo. Dara dormia a seus pés como uma guardiã fiel. Estavam escondidos no estábulo da Casa de Pedra, e a moça com cabelos de fogo havia chegado com comida. 

– Deusa, desculpe - ela disse, segurando uma bandeja com pão, leite e carne. - Você está se sentindo mal? Quer que eu chame Lena?

– Não... – ele respondeu, levantando-se – Não chame sua amiga, eu estou bem. Só preciso descansar, creio. Foram dias exaustivos. 

Driali o encarava. Seus olhos verdes estavam avermelhados de sono. Faedran podia cheirar o medo e a tristeza nela, mas a moça não deixava seus sentimentos moldarem o rosto; olhava-o do mesmo jeito de sempre.

– Não sei, não... – ela disse, desconfiada. – Acho melhor chamar. Está sentindo dor?

– Não. E sua amiga precisa descansar também. Curandeiros gastam muita energia.

Driali mordeu os lábios.

– Verdade – ela considerou - Bem... Dara não está te incomodando?

Ele fez um sinal negativo com a cabeça. 

  – De maneira alguma.   

– Muito bem.... trouxe comida para vocês dois.

A moça deixou a bandeja no chão.  Dara saltou da pilha de feno, tomando cuidado com a pata ferida, e foi farejá-la, mas Driali a afastou com um comando.

– Vão ter que dividir – ela disse. – Seja generosa, garota. Vamos, uma tigela para você e outra para Faedran. Aqui está, rapaz. 

O dokalfar comeu sem nenhuma cerimônia. Estava morrendo de fome e esperava voltar à forma de lobo logo. O cheiro de sua irmã estava se perdendo, o do clérigo também, e Faedran se sentia cada vez mais distante de seu objetivo.

– Amanhã bem cedo partiremos, mas você não pode estar aqui, dokalfar – Driali disse, interrompendo os pensamentos do elfo. – Antes do sol nascer, vou vir chamá-lo, tudo bem? Rob vai distrair Cecília, mas precisamos tomar cuidado.

Ele assentiu, um pouco melancólico.

– Já é um milagre que o garoto tenha me aceitado tão bem.

Sombra e Sol (EM HIATO - autora teve bebê)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora