2. GELATINA DE MORANGO

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Respirei fundo.

Conseguia sentir meu coração batendo contra o peito como se fosse um gatinho preso numa caixa de papelão muito pequena, lutando por espaço.

Enquanto meu pai e minha mãe falavam sem parar fechei meus olhos para me tranqüilizar e sem querer voltei no tempo. Minha mente viajou me fazendo voltar para o começo de toda aquela situação. Recordei em detalhes como fui parar ali naquela cama de hospital, revivi cada momento que passei até chegar onde eu estava. Até os cheiros consegui sentir.

Tudo começou com um "click". Não que eu estivesse tendo um vislumbre qualquer ou uma idéia brilhante, não. Longe disso. Faltavam alguns meses para fazer dezessete anos e eu estava sentada em uma maca de um consultório médico, fazendo exames que mudariam pra sempre o mundo ao meu redor, e o mundo dentro de mim também.

- Qual é o problema, mocinha? – perguntou o médico quando me sentei assustada em sua cadeira do consultório. O mesmo médico que tinha me feito ver estrelinhas agora pouco.

- Bom, tenho sentido uma forte palpitação quando subo e desço as escadas de casa com certa rapidez. Sabe como é, né? Escutei meu telefone tocando lá na cozinha, mas eu estava no andar de cima no meu quarto. Depois resolvi que precisava comer, ainda ao telefone, e desci novamente para a cozinha... E assim continuei a saga até que não consegui subir mais nenhum degrau sem sentir meu coração nas amídalas e uma falta de ar insuportável.

Ele apenas ergueu uma das sobrancelhas.

- Vamos dar uma olhada – falou ao me convidar para sentar na maca.

Sentei e ergui minha camiseta como ele pediu. Graças a Deus, tive a sorte de ter colocado um sutiã respeitável. Como se o médico fosse mesmo se importar. Sem cerimônia nenhuma foi logo colocando aquela coisa gelada em mim pra saber o que acontecia com o músculo tão famoso que pulsa involuntariamente.

Enquanto ele mandava que eu inspirasse profundamente eu estava mesmo era entretida com os desenhos que ele tinha espalhados pela parede. Pensei até em roubar alguns, colar todos em alguma parede do meu quarto e fazer meu próprio consultório do coração. Iria sair por aí curando as dores de todo mundo. Já podia ver o slogan, Madame Sofia cura sua dor, a médica do amor.

Bem se vê a atenção que eu dava para a consulta e pros olhares intrigados do senhor que já apresentava indícios de cabelos brancos. A verdade é que, para mim, era exagero ir ao médico por causa disso. Se não fosse a insistência da minha mãe, é provável que não tivesse ido (e então, quem sabe, eu precisasse mesmo é de um legista depois).

De repente, a voz do médico invadiu meus futuros planos e também a minha intriga imaginária com minha mãe.

- Estou desconfiando de algo, garota.

Desconfiando? Como pode? Um médico foi feito para "certezar" e não desconfiar!

- Mas qual é a suspeita? – senti que talvez fosse um pouco mais sério do que eu imaginava.

- Não posso dizer com certeza antes de alguns exames.

- Tudo bem, mas assim é que eu morro do coração. – brinquei, mas não escondi o medo que estava começando a sentir.

Ele sorriu, e com uma calma inabalável me respondeu.

- Seu coração está estalando na sístole.

- To ficando com um pouco de medo – confessei. – Mas, não sei bem ao certo de quê, já que não entendi nada – falei com um sorriso que saia do amarelo e partia para uma careta de mais completo espanto. – Eu sei que deveria saber, é claro que sim, as aulas de biologia deveriam servir para algo, não é? – continuei nervosa. – Só que, no momento, o nervoso está inibindo meus neurônios e a única coisa que eu consigo pensar é que estou com medo.

O Novo InquilinoOù les histoires vivent. Découvrez maintenant