Anne de Green Gables

Começar do início
                                    

A mamãe falou que tinha ficado bom, e que a Briana estava certa quanto ao óleo de argan e o aloe vera, mas não me convenceu. No fim das contas, eu ainda queria meu cabelo antigo de volta. Mas pelo, menos não estava mais chorando.

─ Claro que não, ele nunca faz, não é mesmo? ─ Observei o jeito que o papai olhava para o Liam, e tive pena do meu irmão. Ele não era a melhor pessoa do mundo, e era um pouco preguiçoso também. Mas acontece que o papai nunca fora tão bom para ele quanto era para mim. Não o chamava para conversar sobre coisas aleatórias, nem perguntava sobre o seu dia ou jogava bola com ele, como o sr. Porter fazia com os filhos. Estava sempre lembrando o quanto ele era preguiçoso e irresponsável. Na maioria das vezes, Liam fingia que as palavras do papai não o incomodavam, mas eu sabia que aquilo realmente o machucava, que doía.

─ Está tudo bem, papai. ─ intervim. Odiava quando brigavam. ─ Eu gosto da Anne de Green Gables.

Ele riu para mim e passou a mão na minha cabeça.

─ Não ligue para o seu irmão, princesa. Você está linda. ─ afirmou.

Liam tossiu e papai travou o maxilar, a pele do pescoço ficando vermelha de repente.

─ Pare, Liam. ─ mamãe pediu, estava triste de novo. ─ E você também, Fred. Por favor, apenas parem.

Papai olhou para ela, e pediu desculpas na mesma hora, Liam o imitou, mas, em vez de abraçá-la, desligou a TV e subiu para o quarto.

─ Desculpa, Liz, eu não devia. ─ não parava de repetir, apertando-a contra o corpo. Mamãe o abraçou de volta e eu aproveitei para deixá-los a sós.

Encarei meu reflexo no espelho, e senti os olhos marejarem, não era só por causa do cabelo, afinal, cabelos crescem. Um corte não é algo definitivo como amputar uma perna ou um braço, no verão seguinte muito provavelmente ela já teria voltando a ser o que sempre foi.

Cai de costas na cama e arranquei do bolso a página de revista em que Oli rabiscara Ela caminha em beleza. Eu não caminhava em beleza, sabia disso. A primeira lágrima escorreu, e depois outra e mais um montão delas, não parava de chorar, encarando a pequena rachadura na parede ocre do quarto e pensando naquele "NÃO" enorme.

A mamãe disse que eu podia dormir na casa da Lilian se quisesse, na verdade fui eu que pedi, ela apenas concordou enquanto despejava o espaguete na panela. Liam me levou até lá no carro do papai e passou o caminho inteiro olhando para mim e rindo, quase nos atirou para fora da estrada por quatro vezes. Vou tirar uma foto e pôr no milharal dos Carver para espantar as aves, afirmou. Eu quis bater nele, mas então ele olhou para mim, passou a mão na minha cabeça e completou: Amo você, espantalho. Nós cantarolamos a Música do Espantalho e, depois de tudo, foi um milagre termos chegado com vida à casa dos Porter.

Lilian arregalou os olhos ao me ver, mas não fez alarde, não era como meu irmão.

─ Ficou horrível, não é? ─ Puxei o gorro colorido da cabeça e marchei até ela, deslizando sobre sua colcha de retalhos.

O quarto da Lilian era bem maior que o meu, e a decoração em tons pastéis fora toda idealizada pela sra. Porter, que era arquiteta e paisagista. A casa toda era bonita e bem decorada: paredes claras, móveis no melhor estilo minimalista, e verde por toda parte.

─ Claro que não. ─ ela respondeu, esticando os lábios num sorriso não muito convincente. ─ Quando você me falou pelo telefone, imaginei algo como o cabelo da Jennifer Beals em Flashdance, mas não está tão ruim. Parece a Anne de Green Gables. Agora me diz, por que estava chorando quando nos falamos mais cedo?

Pus o gorro de volta e iniciei meu relato, omitindo a parte em que mamãe encontrara o sr. Stantford na igreja. Lilian emprestou seus ouvidos para que eu desabafasse e um ombro amigo para chorar. O padre Cadence falava que quem encontrou um amigo, encontrou um tesouro. Ali estava o meu tesouro, minha amiga.

Viola e Rigel - Opostos 1Onde histórias criam vida. Descubra agora