Ela caminha em beleza

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─ É claro. ─ sussurrou, passando o braço pelo meu ombro e beijando o topo da minha cabeça. ─ Foi só um mal estar passageiro.

Mal estar passageiro? Queria acreditar nela, mas minha intuição me dizia que algo estava errado, que não tinha sido um simples mal estar. Havia mais ali do que meus olhos conseguiram captar. E o jeito que o sr. Stantford olhara para nós, como se não merecêssemos sequer respirar o mesmo ar que ele.

─ Não, não foi.

Os olhos dela se estreitaram em confusão.

─ O que quer dizer?

─ Foi ele, o sr. Stantford. ─ Girei a cabeça, indicando-o com o olhar. ─ Você sempre fica estranha quando ele está por perto, e o papai também. É por causa do tal golpe, não é? Porque ele tomou a nossa propriedade e nos afundou em dividas.

Ela tirou o cachecol de lã, e despencou no banco mais próximo, descansando as mãos nas pernas, as unhas curtas alisando o jeans azul esbranquiçado puído, seu preferido. Parecia fraca e pequena. Um esboço da mulher forte e corajosa que eu conhecia e admirava.

Padre Candece parou ao nosso lado, mas permaneceu calado, apenas observando. Era uma situação desconfortável, no mínimo. As senhoras terminaram suas orações e acenaram com a cabeça ao passar por nós.

─ Eu trouxe os livros. ─ mamãe murmurou.

─ Obrigado... Viola, pode me fazer um favor? ─ Assenti. ─ Vá até a sacristia e peça à irmã Anabeth e ao Dan que levem os livros para o depósito atrás da igreja.

Ele pegou a chave do carro da mão da mamãe e entregou a mim. Afastei-me, parando vez ou outra para dar uma olhadela por cima do ombro. Queria ficar e ouvir sobre o que conversavam, descobrir o porquê daquela reação. Mas não desobedeceria a um padre, não em sua igreja, não diante de todos aqueles santos que me encaravam como se enxergassem a minha alma.

Depois disso ela dirigiu até a livraria sem dizer uma única palavra, apesar de fazer um esforço e sorrir para mim algumas vezes. Ela ainda estava desnorteada quando quase atropelou um cachorro, e se a vermelhidão em seus olhos servia de indicativo, havia chorado. Passei a manhã inteira com aquilo na cabeça, procurando uma explicação para aquela reação - ou, no caso, falta - mas nada. Talvez fosse apenas paranoia minha. Talvez o medo tivesse paralisado ela, eu também ficaria paralisada se estivesse diante da pessoa que me tirara tudo que um dia tivera como certo e concreto. Houve um tempo em que o papai tinha dinheiro e uma prospera propriedade herdada do meu avô, mas alguns meses após o meu nascimento tudo foi pelos ares. As dividas aumentaram, os credores apareceram, papai hipotecou a fazenda; e foi ai que o sr. Stantford arruinou as coisas de vez, num golpe de misericórdia adquiriu a propriedade e aniquilou o papai. Era isso, concluí, a mamãe tinha medo do sr. Santford, medo do que ele poderia fazer caso ela decidisse bater de frente, medo de que nos tirasse o pouco que restara.

Ela me pediu que não contasse nada ao papai, e eu concordei porque ouvir o nome do sr. Stantford o deixava uma pilha de nervos. Mas à tarde os pensamentos ainda estavam lá, dando voltas em minha cabeça. Reparei na maneira como a mamãe se esforçava para parecer tranquila, sorrindo e passando a mãos nos meus cabelos. Ela até se ofereceu para me pagar um corte de cabelo novo. O salão da Briana era bom e meus cabelos estavam implorando por umas tesouradas, sem contar que eu nem conseguia lembrar a última vez que pus meus pés lá. Normalmente eu mesma fazia as vezes de cabeleireira e dava um jeito, aparando os fios aqui e ali. Nem sempre ficava bom, devo admitir, mas era divertido. Mudar pode ser divertido.

O verão ainda não tinha chegado ao fim, e fazia um pouco de calor. Uma moça passou por mim na calçada, empurrando um carrinho de bebê e sorriu, enquanto a menininha ao seu lado me mostrava a língua pintada de chiclete azul, fiz uma careta divertida para ela e segui caminho, cantarolando o repertório do Fleetwood Mac.

Viola e Rigel - Opostos 1Donde viven las historias. Descúbrelo ahora