CAPÍTULO SEIS: BRADLEY McDOUGALL

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Nunca me senti tão incomodado por estar no silêncio como eu me sentia agora. Mas não estava tudo quieto, era apenas eu. O barulho das sirenes, os gritos de médicos, os choros de rostos conhecidos, o espanto dos estranhos; o corpo sem vida era quem com mais intensidade produzia o som: o som do silêncio eterno.

Quem é você. Não se aproxime. Morta. Afaste-se!

A chuva caiu sem avisar. Agora os trovões se juntariam ao silêncio. Eu estava sozinho, ela havia me deixado sozinho.

Sem me importar, atravessei todo mundo e cheguei até seu corpo fora do carro destruído, desfalecido, jogado no chão.

- Quem é você? – gritou um médico que chegou perto de nós dois.

Não tinha forças para deixar uma palavra sequer escapar, então, apenas encarei seus olhos verdes abertos e sem vitalidade. Amelia estava na minha frente, porém, havia sido arrancada de mim, arrancada dela mesma. Ela não existia mais. Seus olhos não eram mais seus olhos, eram apenas íris verdes de alguém que eu amei, alguém que eu amo. Alguém que eu não reconhecia.

- Eu preciso que você se afaste! Quem é você? Afasta-se do corpo! – gritou dessa vez um policial. Encarei-o e abri a boca, porém, nada foi capaz de sair. Meus olhos foram embaçando aos poucos e tudo o que eu conseguia ver de Amelia era o corpo. Morto. Morta. Como isso aconteceu?

Não percebi o que acontecia, mas quando recuperei um pouco da sanidade, ela estava sendo carregada em uma maca, mas não era ela, era apenas um saco fúnebre como a escuridão, levando algo que já não era Amelia.

- BRADLEY! O que é isso? O que está acontecendo? O que você está fazendo? James, tire-o de lá! VÁ!

Senti mãos me carregando, assim como a carregaram. James estava em cima de mim, assim como Joanne. Pareciam não entender nada, mas eu entendia tudo. Gostaria de esquecer tudo o que vi.

- O que você estava fazendo lá, cara? Quem sofreu o acidente? – os rostos acima de mim eram apenas borrões. Tudo parecia estar ficando pesado, minhas pálpebras pesavam, minha cabeça pesava em meu crânio. Era insuportável. Era horrível.

Eu a perdi. Eu a perdi. Eu a perdi.

- Eu... a... perdi...

- Do que você está falando? – gritou Joanne, por cima de todo o barulho do silêncio. Meu Deus, eu estava morrendo.

- Amelia. Ela está morta.

***

Horas, ou até mesmo dias depois e ainda tudo que eu conseguia ouvir era o silêncio, até quando eu estava ao redor de pessoas, ao redor do caos. Caos era o que mais perto parecia representar o que a realidade havia se tornado.

Depois de ver seu corpo cheio de ferimentos, sem movimentos e o verde dos seus olhos sendo o último resquício de vida, eu não chorei mais. Nem uma lágrima fora derrubada por mim depois de ter visto a morte em minha frente. Nunca imaginei que a veria em um estado tão crítico. Um estado irreversível.

- Acidentes acontecem, cara – James falou baixinho ao meu lado, enquanto segurava um grande guarda-chuva preto em cima de nossas cabeças e ao mesmo tempo abraçava Joanne que, diferente de mim, não conseguia segurar suas lágrimas, assim como sua amiga ao seu lado. Eu odiava enterros. E a chuva não havia cessado desde o momento que a vi pela última vez.

Caos.

Não lembro do que disse a todos aqueles que vieram prestar suas condolências a mim. Lembro apenas do abraço frio da mãe de Amelia, do aperto de mão do seu pai e da rápida olhada triste que seu irmão dirigiu a mim. Era tudo tão frio que optei por esquecer e fingir que não lembrava também. Não suportei ver seu caixão descendo para o subsolo, ver pessoas que mal a conheciam chorando às suas custas. Assim que percebi que seria o alvo de comentários de meus amigos, dei as costas aos poucos que permaneceram perto de sua lápide no final da cerimônia.

Nunca havia fumado antes, mas aquela pareceu uma boa ocasião para passar a adquirir o hábito.

- Por que você está fazendo isso com você mesmo? – ouvi a voz de Joanna e virei-me, soltando a fumaça das tragadas finais quase em seu rosto. Grandes olheiras haviam se estabelecido em seus olhos, que estavam tão vermelhos quanto o sangue.

- Porque eu não tenho mais nada para fazer. Por que você chora tanto?

- Porque é a única coisa que eu posso fazer. Jogue fora esse lixo.

- Eu não quero, Joanna. Me deixe em paz.

- Não é só você que a perdeu, Bradley. Todo mundo perdeu. Olhe para mim, olhe para Joanne, olhe para Luke!

- Não fale dele para mim. Só me deixe em paz – falei, dando a última tragada e jogando o resto do cigarro na grama molhada do cemitério. Passei a mão em meu cabelo e observei-o ainda perto da sua lápide. Apenas parado lá, na chuva, encarando o chão coberto com terra nova. Como eu, Armstrong não se importava em ficar debaixo da chuva e eu sabia que ele poderia ficar lá por horas. Não pensei duas vezes antes de acender outro cigarro do maço que eu havia comprado antes de dirigir até a grande cerimônia fúnebre da minha namorada morta.

Antes de criar coragem para caminhar até onde queria, fiquei observando James levar Joanne e Joanna debaixo do guarda-chuva, seguido por Lydia, que dividia um outro guarda-chuva preto com seu namorado e Freddie, que estava tomando chuva. O silêncio continuava ali e eu estava começando a achar que ele nunca sairia de dentro da minha cabeça, do mesmo modo que eu achava que a chuva nunca pararia. No final das contas, já faziam três dias. Não haviam se passado só algumas horas; era muito mais que isso.

- Vai ficar aí o dia inteiro? – perguntei para Luke depois de soltar a fumaça do meu segundo cigarro em um pequeno espaço de tempo.

- Você não vai? – ele respondeu depois de um tempo – Você se importa em me dar um desses, por favor? – Luke apontou para o cigarro em minha mão e eu neguei, entregando para ele a droga junto com o isqueiro.

Ficamos ali por um tempo, dividindo o mesmo espaço enquanto Amelia estava sob nós, mas muito longe de ambos. A chuva continuava constante e o céu continuava nublado. Era como se o mundo sentisse falta da instabilidade de Amelia para poder continuar com a instabilidade que era o clima. O sol não se esforçava mais para aparecer, igualmente como a lua. Opostos, porém dividiam o mesmo espaço e ambos estavam tão destruídos por conta das nuvens como eu e Luke estávamos destruídos por conta de Amelia.

- Você a machucou tanto – soltei por razão nenhuma. Não havia por que compartilhar da dor de Amelia para quem havia a causado. Era injusto com ela. Não. Na real, era injusto comigo. E com ele.

- Eu sei, Brad.

- Mas era a sua jaqueta que ela estava usando quando a encontrei morta no asfalto, coberta de sangue.

- Ela me escolheu, Brad.

- Eu sei que ela faria isso.

- Mas ela ama... Amou você.

- Eu sei – dito isso, joguei o cigarro no chão perto da sua lápide, sem me importar que fosse ela ou que fosse um cemitério. Eu estava cheio de ter que seguir as regras de algo que não era nada justo. Fui embora, sem nenhuma outra palavra.

Naquela noite eu chorei como se fosse a única coisa que eu pudesse fazer. E era.

***
Mais um capítulo se encerra por aqui! Espero que estejam
gostando tanto quanto eu mesma amo esse enredo <3 (nada modesta). Obrigada pelos votos e comentários, fico feliz que Instável esteja sendo agradável de ser ler; mesmo com as ceninhas tristes desse e do último capítulo.
Se você gostou, let me know! Deixe seu voto ou comentário e adorarei ler!
Até mais.
xx

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