16. O conto de Hanna

399 35 1
                                    

O cheiro que vinha da cozinha era simplesmente hipnotizador.  Mamãe tinha feitos panquecas - era uma certeza que tinha, e ao entrar na cozinha uma alegria veio em mim como se fosse algo que o vento trouxesse. Sempre amei as manhãs de domingo. 

- Bom dia! - disse pegando duas panquecas, pondo no meu prato e as comendo sem mesmo passar alguma geleia por cima. 

- Você vai andar de pijamas o dia inteiro Hanna? - indignou minha mãe olhando para meu visual. Estava com uma calça azul do Paul Frank, uma regata branca e meus cabelos em forma de coque. 

- O que? Estou pronta para ir ao baile de formatura! - disse com um leve sorriso.

- Ha-ha menina engraçadinha. Tome seu café e não se esqueça de não fazer barulho, seu irmão ainda esta dormindo e ele é só uma criança. - Um pirralho na verdade, pensei. - Estou indo fazer as compras para o jantar de Thanksgiving. Não faça bagunça. 

O dia estava bonito e ainda era nove horas, então resolvi colher as flores que plantei no ano passado. Elas finalmente estavam bonitas. 

- Bom dia Dona Amélia. -disse sorrindo para velinha que estava sentada na varanda da casa ao lado. Ela me retribuiu com um sorriso quando levei para ela uma das rosas que estava em minhas mãos. 

Estava perdida em meio a música que soava nos meus fones de ouvido, e quando olhei para o lado meu coração quase gelou. Meio pelo susto, meio pela pessoa. Pietro estava parado a minha frente com um skate nas mãos e um sorriso nos lábios.

- Hanna? - ouvia a voz fraca em meio as fortes batidas de Shut Up do Black Eyed Peas. Tirei meus fones sem tirar os olhos dele e talvez meio hipnotizada ainda pela situação.

- Oi...- disse com a voz meio falha. Foi ai que me dei conta que ainda estava sentada na grama e provavelmente estava com uma cara de idiota. 

- An, hm, eu estava saindo e vi você, e hm, isso parece tão nostálgico. - ele parou um pouco e olhou dessa vez diretamente para mim. - Quer dizer, parece que ainda temos doze anos e você colhe flores e eu só quero andar de skate. 

Isso era verdade. Com doze anos queria ser dona de uma floricultura então tentei plantar todos os tipos de flores em nosso quintal, e sempre me esquecia de cuidar delas. Era papai que as regava todas as manhãs antes de ir trabalhar e quando elas cresciam era como magica para mim. Ele me contava que eram as fadas e duendes que cuidavam dela, e sim, com doze anos eu ainda acreditava nisso.

- É, algumas coisas nunca mudam. - disse, olhando para baixo. 

- Oh, oh, eu não queria lhe deixar triste. - ele disse tocando levemente a parte de baixo do meu queixo fazendo meus olhos encontrar com os dele. Ele costumava fazer isso todas as vezes que ficava meio para baixo quando eramos mais novos.

- Eu não estou triste. - disse a verdade para ele. - Só estou com saudades. Lembrar daquela época me faz lembrar do meu pai. - gelei ao ouvir minhas próprias palavras. Senti uma pontada de arrependimento de ter divido algo tão sentimental com ele. 

- Ele foi um grande homem. Estaria orgulhoso de você. - ele continuava olhando firme para meus olhos, até um pequeno silencio surgir entre nós. - E de suas flores. - disse sorrindo.

- Sim, eles sempre amou as flores. - disse voltando a realidade. - Bom, eu tenho que entrar. -disse colhendo as flores que estavam espalhadas em um pequeno monte no chão e escapando antes mesmo de ouvir sua resposta. 

A musica sempre foi meu refugio. Não sabia cantar, muito menos tocar algum instrumento, mas gostava de senti-la. Deitada na minha cama com o recado de Fergie soando pelas quatro paredes, pensava enquanto ouvia uma das frases que estava em um dos muitos post-in espalhados por um quadro que ficava em meio a fotos e lembranças: big girls don't cry. 

Sentei-me encarando a grande janela que dava diretamente para a janela do quarto de Pietro. Sempre fomos assim, colados. Amigos que cresceram juntos, que construíram cabanas, historias, contos e até mesmo canções. Até os treze anos, quando descobri que além do meu primeiro amigo, era minha primeira paixão. Imaginava nossa vida como uma musica da Taylor Swift, e que tudo no final iria dar certo. Mas tudo seguiu sentido reverso. A cada dia que passava ele se afastava mais de mim. Para quem conversava todo dia, quando se passava uma semana com desculpas atrás da outra tudo mudava. Ainda nos víamos, ainda conversávamos. A gente ria junto uma hora e depois brigava juntos porque ele nunca estava realmente presente. Ele começou a mudar a voz, e depois o penteado, e meu pai me dizia que era apenas uma fase pela qual os meninos passavam. Mas uma hora não sabia mais quem ele era. Foi nesse meio termo que eu perdi meu pai em um acidente de carro.  Foi quando tinha quatorze anos e posso afirmar que foi a fase mais difícil da minha vida. Sentia a minha dor e o peso nas costas da minha mãe. Comecei a concentrar em ajudar nas coisas de casa e a cuidar do meu irmão, que na época tinha apenas cinco anos. Então foi ai que decidi que era hora de dar valor para quem estava aqui, e simplesmente parei de tentar manter nossa amizade. 

O meu maior problema era que ele não foi minha primeira paixão, eu estava enganada. Ele foi meu primeiro amor. Depois de tudo que passou e todo esforço que fiz para esquecer e afastar, ele ainda mexia comigo. E dias como este não aconteciam desde três anos atrás. E eu só podia pensar o porque de ter acontecido logo agora. 




Amados ContrastesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora