Um vento cortante beijava sem temor a pele já gelada da menina, fazendo com que as suas extremidades ficassem cada vez mais rígidas, como se a ponta do nariz pequeno e as mãos descobertas devido à ausência de um confortável par de luvas estivessem congelando lentamente.
E a garota agradeceu para si mesma, em um mero sussurro inaudível, quando Damiel apontou em direção a uma caverna escura e comunicou que dormiriam naquele local até os primeiros indícios do amanhecer. Ela mal estava suportando carregar o próprio irrisório corpo, principalmente porque as suas pernas insistiam em fraquejar, como se estivessem correndo em uma finíssima e infinita corda bamba. Além disso, as pálpebras agiam como verdadeiras traidoras e, sem qualquer relutância, buscavam descansar os olhos a cada andar de Sunsea.
Ela ficara três dias presa em um minúsculo cômodo, tendo que enfrentar os inúmeros questionamentos de homens desconhecidos. Contudo, somente naquele instante, o cansaço tornara-se fortemente presente, e a situação ficava ainda pior quando a jovem percebia que não sabia nada sobre si mesma e nem sobre o planeta Cadent, o qual parecia desejar mais do que tudo a morte dela.
Os pensamentos confusos a intimidavam, obrigando-a a duvidar das poucas lembranças que possuía. Afinal, quem era ela? Tivera uma vida antes de despertar submersa em milhares de gotas do Lago das Flores?
A garota estava lutando internamente com verdadeiros monstros, que teimavam em assombrá-la, porém, apenas mais tarde, ela descobriria que a mais árdua batalha é aquela de conseguir suportar todas as cicatrizes deixadas pela dor e mesmo assim não se transformar também em mais um monstro.
- Ei... - Damiel aproximou-se dela com cautela, chamando-a. - Você está bem? - A preocupação assumia o rosto dele, ao mesmo tempo em que procurava descobrir os mistérios ocultos nas linhas do rosto de Sunsea.
A talvez desconhecida e misteriosa jovem fez apenas um quase imperceptível movimento com a cabeça, assinalando de que sim. Entretanto, nos abismos mais improváveis do coração dela, uma voz em seu interior desejava gritar e dizer que não. Ela não o conhecia, tampouco sabia o porquê de ele estar a ajudando, mas, a questão é que lhe faltava coragem. Coragem para falar que estava muito distante do que poderia se chamar de bem.
- Você tem certeza de que consegue andar? – Ele percebia nitidamente que a menina estava fazendo um esforço descomunal apenas para erguer os pés e formar uma insignificante pegada na neve, entretanto, Rudá já havia carregado ambos por muitas horas e necessitava descansar para recuperar as energias.
Apesar de eles estarem um considerável tempo andando um ao lado do outro, a garota recusava-se a falar. Ela permanecia muda, e, se não fosse o som emitido pelos passos dela claramente cansados, Dam certamente não acreditaria que se encontrava acompanhado.
Dessa vez, a menina não realizou nem ao menos um mísero gesto. Parecia que a vida tornara-se um peso, o qual estava sendo arrastado pelo chão frio, mas que não havia mais sentido de continuar levando-o juntamente consigo. Ela até queria que ele soubesse a sensação de possuir aqueles sentimentos e pensamentos invadindo cada esquina de seu corpo, no entanto, as imagens daqueles três dias no cômodo escuro eram terríveis demais para serem contadas em voz alta.
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Cadent
FantasyComo descobrir qual é a verdade? Como ter certeza do que é correto? Essa não é a história de apenas uma pessoa, tampouco de um mero planeta, e sim de muitos universos e de segredos e dúvidas que despertaram desde os primórdios da vida, quando havia...