Uma carta que encontrei no chão do hospital.

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"Estou escrevendo isso com o último lápis que segurarei na minha vida.
Meu nome é Megan Reed, tenho 17 anos. Moro em Hillsboro, Wisconsin. Recentemente eu e meus pais nos mudamos para cá por causa das casas baratas e também porque meu pai foi criado aqui. Desenhar sempre foi algo natural para mim, então sempre estou com um caderno de desenho e alguns lápis na minha mochila. Tenho uma habilidade bastante interessante: consigo tirar um "Print Screen" de uma imagem só olhando para algo e piscando. Consigo transferir essa imagem perfeitamente para o papel, como se ainda estivesse olhando para aquilo.

Hillsboro tem diversas casas antigas e interessantes, então esse tem sido o principal tema dos meus desenhos mais recentes. A cidade não é muito grande, por isso gosto de caminhar pelas ruas. Escolho as casas que me chamam atenção e depois as desenhos.
Minha vida mudou em uma dessas caminhadas. Eu estava caminhando pela rua principal do centro da cidade, a Mill St, e decidi virar na rua Field Ave. Passei por uma casa que ficava à minha esquerda onde a grama do jardim chegava na altura da minha cintura. Era uma casa com estilo Vitoriano. Alguns vidros das janelas estavam quebrados e a tinta estava descascando. Pude ver que, por baixo, um dia aquela casa tinha sido violeta.
Decidi que aquela era a casa vencedora do dia. Pisquei meus olhos enquanto olhava para a casa, gravando a imagem na minha mente. Sentei com minhas costas encostadas na pequena cerca de piquete e puxei meu caderno e lápis da mochila. Deixei que meus dedos fizessem o trabalho enquanto minha mente vagava. Fiquei pensando o que comeria no jantar daquela noite. Mamãe havia falado que faria empadão de carne moída, minha comida predileta. Lembrei; tenho uma tarefa de história para fazer para amanhã. Pensar na tarefa fez com que eu me distraísse. Olhei para baixo e minha ilustração estava quase completa. Consegui capturar toda a parte de baixo à esquerda facilmente. A parte à direita também parecia bom. As duas janelas baixas do segundo andar estavam lá também. O segundo andar era um pouco mais comprido do que o de baixo por causa da varanda. Todas as colunas estavam em seu devido lugar. Inclusive o homem parado perto da porta, sorrindo. Pera aí, homem perto da porta? Eu não me lembrava de nenhum homem.

Me levantei e olhei através da grama até o pórtico. Não havia homem nenhum a vista. Dei mais uma olhada na pessoa do meu desenho. Não desenhei o corpo com muitos detalhes, apenas com um sombreamento leve. O rosto estava mais detalhado, com os olhos e a boca. As cavidades oculares estavam apontadas em minha direção, mas não tinha íris. A boca sorria, com bastante dentes. Parecia desproporcional. Se estendia de orelha a orelha.
Decidi que já tinha desenhado o suficiente para aquele dia. Eu não devia deixar minha mente vagando desse jeito enquanto desenho. Botei minhas coisas na mochila e fui para casa. Quando voltei para a rua Mill St, vi um carro antigo bem peculiar. Parecia um fusca, mas de muito tempo atrás. Decidi gravar a imagem na minha cabeça para desenhar mais tarde. Cheguei em casa um pouco depois das 18h. Minha mãe já tinha posto a mesa para o jantar. Havia fumaça saindo do empadão. Meu pai estava em seu escritório, no telefone. Mamãe disse que ele iria jantar mais tarde pois estava tendo uma reunião pelo celular. O empadão estava delicioso como sempre. As vezes até sonho com isso.

Depois de jantar, fui para meu quarto dar uma relaxada. Acendi algumas velas na minha escrivaninha e me sentei. Meu lugar favorito da casa, minha mesa de desenho. Muitas ilustrações e memórias se criaram nessa mesa.
Sempre tenho que desenhar os "Print Screens" da minha memória antes de dormir, pois sempre somem assim que durmo por mais de 5 horas. Comecei a fazer a ilustração do fusca antigo que havia visto na Mill St. Riscos longos e suaves para desenhar o capô conectando com a curva do teto. Rabiscadas curtas e mais fortes para fazer os pneus pretos. Um sombreado leve para a porta que estava sendo iluminada por raios de sol. Mais riscos leves para cada dente branco no sorriso.

Sorriso? Olhei par abaixo e vi que já tinha desenhado metade do rosto do motorista. Isso não está certo; não havia ninguém sentado no banco do motorista. Talvez eu estivesse enganada. Levei o lápis novamente ao papel para terminar o rosto. Estava virado exatamente para onde eu me encontrava no momento da captura. A boca era esticada demais, não devia ser assim tão grande.
Minha respiração começou a ficar acelerada. Peguei o desenho da casa de mais cedo e coloquei ao lado do novo. O sorriso era o mesmo, mas os olhos e orelhas estavam mais detalhadas na do carro. Havia um brilho mais aguçado no olhar do que as cavidades oculares totalmente negras da outra ilustração. As orelhas eram levemente pontudas. O resto do corpo continuava ser apenas sombras em cinza. Coloquei o lápis sobre o papel do carro achando que talvez eu conseguisse lembrar de mais detalhes, mas não.

Sinto que eu não deveria, mas preciso saber mais. Olhei para a direita, onde a porta do meu quarto ficava. Pisquei os olhos. Tirei os outros desenhos do caminho e coloquei uma folha nova na mesa.

Comecei a desenhar. A porta, madeira marrom escura com as luzes das velas refletindo nela. A maçaneta de bronze. A jaqueta azul pendurada no cabide no fundo do quarto. A mão vindo em minha direção. Pulei da minha cadeira, olhando para a porta. Não havia ninguém ali.

Olhei para o desenho em cima da mesa. Unhas longas em quatro dedos estavam bem abertas no meio da folha, como se quisessem me pegar. Eu estiquei minha mão em direção a porta. Algo roçou em mim. Gritei e abri a porta bruscamente. Enquanto corria pelos corredor, bati em uma mesinha e derrubei o vaso de flor preferido da minha mãe e também caí no chão. Tentei me apoiar para me levantar mas o chão estava molhado e escorreguei. Mas aquele vaso nunca foi enchido de água. Olhei para baixo e vi o sangue jorrando de três talhos no meu antebraço. Minha mãe e meu pai vieram correndo por causa do barulho. Ela ficou totalmente pálida quando viu todo aquele sangue e ele me pegou no colo e correu comigo para o carro.

Não me lembro muito da viagem até o hospital. Estou deitada agora na mesma cama na qual escrevo esta carta. Faz uma semana que me trouxeram para cá. Estão me vigiando por tentativa de suicídio; o médico falou para meus pais que os cortes no meu antebraço não tinham sido feitos pelos cacos do vaso. Tentei desenhar apenas uma vez desde que cheguei aqui. O homem ainda me acompanha, se é que posso mesmo chamá-lo de homem. No último desenho se parecia muito mais com uma besta do que com um ser humano, agachado no pé da minha cama.

Estou muito assustada para desenhar novamente. Depois de terminar esta carta, nunca mais segurarei um lápis na minha vida. Não sei o que esta coisa quer comigo. Consigo sentir sua presença todos os instantes, uma sombra escura dançando na minha visão periférica. Só quero avisá-los, para que não aconteça com vocês. Se você sentir que algo está te perseguindo, não o note para ele não te notar."

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