"Por isso ficam lá, os colossos de pedra, nos encarando em sua grandeza suprema", terminei de dizer, antes que outro moleque viesse a me beliscar as costas. Com ou sem a professora, minha autoridade precisava se impor: bati a bota no chão, abaixei o tom de voz, intensifiquei o meu trabalho:
"Pessoal, pessoal, chega! Ainda não perceberam que hoje não é um dia normal pra vocês? Parece que não sabem nem por que a escola os trouxe aqui! Me diga você, barrigudinho, o que acha que vai acontecer?"
O menino segurou os lábios, recusando-se a qualquer participação. Aproximei-me de seu rosto, com os braços abertos para envolvê-lo em meu suspense de voz grave:
"Nós vamos visitar o Sandrão!"
A respiração pausou, mirei fundo nos olhos de meu escolhido, mantendo-me enegrecido para atormentá-lo com o silêncio, até que pude me virar para as outras crianças e continuar o drama:
"Quem tiver coragem, vem comigo. Quem não tiver, aqui ó, vocês aí corajosos: amarrem os covardes com essas cordas e os arrastem com a gente."
Oito corajosos se entusiasmaram e amarraram seus colegas com os laços que eu distribuí. Houve protesto, houve correria, mas não me envolvi além da ordem, conquistando ainda assim uns valentes e seu rebanho imobilizado. À minha frente, conforme minhas direções, o grupo rumou vagaroso, hostilizado internamente pela divisão entre os amarrados e laçadores.
Paramos diante de Martelo, o guardião da porta pesada de Sandrão. A rua onde estávamos se escondia atrás da avenida pela qual o ônibus das crianças chegara, e Martelo era grande a poder se erguer para muito acima das casas ao redor, vigiando quem se interessasse em seu caminho ao lado. Exaltei agrandeza do colosso às crianças:
"Vejam seus olhos semifechados, vejam como ele parece um daqueles que sonham em nos explodir, talvez na esperança de que um dia sejamos eliminados só pelo pensamento. Ele é muito forte, não é, e me digam se tem como ter mais poder do que os seus braços cruzados. Ele é muito maior do que qualquer umde vocês jamais poderia ser. Sentem-se pequenos perto dele? Que bom,é porque o são. Vocês são pequenos e irrelevantes. Vamos lá,apreciem esse olhar que ele nos oferece: é o olhar de quem tem certeza e confirmação da sua superioridade."
Tendo o gigante sobre suas cabeças, os corpos pequenos se esparramavam em esmagamento. Silenciosos, sem ousar novos beliscões ou brincadeiras, instruí-os a uma reverência:
"Agora, ajoelhem-se!"
Enfatizei os olhos cerrados de Martelo e sua vontade implícita, para que assim conseguíssemos sua autorização de passagem ao beco do Sandrão. Abaixaram-se calados e beijaram o chão. Os amarrados se aproximaram de seus algozes, sem saber exatamente se temer mais a Martelo ou a seus condutores. Destravei a porta e a empurrei num gesto que, para mim, era mera rotina. De passagem liberada, as crianças deixaram sua imobilidade ajoelhada somente quando as forcei beco adentro com um cabo de vassoura.
O local era um corredor de muros favelados, em seus tijolos expostos, chão rachado cheio de limo e montoeiras infindáveis de lixo. O mal-estar que já sentiam se fortaleceu com o cheiro podre e a escuridão, instigando-as a reclamações crescentes que me faziam franzir a testa. Pisei forte com as botas e bati avassoura no chão a cada palavra, pois o passeio era sem volta. Naquela galeria da decrepitude, o humor de todos se enfraquecia na medida certa da frutificação. Incentivei hostilidades entre o grupo, em jogos de culpa contra os dois lados das cordas. Deixei que os ânimos se exaltassem para que a queda lhes fosse mais acentuada e, consequentemente, o trauma se fixasse de vez.
Comparado a outros, a diferença de Sandrão era que ele se curvava ao chão com sua boca ao nível do pedestre e deixava ao alcance seus fortes dentes caninos. Sua face se mostrava em direção aos que chegassemdo beco, suas mãos se posicionavam fora de seu pedestal e ele tinha uma feição furiosa. Descansava em meio a uma grande praça de pedra, coberta por concreto em toda a sua extensão, onde não havia lugar para se esconder de sua vista. As crianças se assustaram comos olhos de fome do colosso solitário, recusando-se a sair do beco escuro. Encorajei-as:
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As Estátuas Gigantes de Maiara
General FictionNuma cidade dominada por estátuas gigantes, uma mulher diz ter morrido esmagada por um colossal soco de pedra. Ela agora deve renascer, mas não sabe o que fazer para que lhe permitam voltar à vida. A mulher contará com a ajuda de dois amigos. Um...