Corri até ela na tentativa de ajudá-la, mas minhas mãos apenas passaram através de seu corpo. Olhei para mim mesma, me dando conta de que nada daquilo era real. Eu ainda estava dormindo, embora pudesse sentir e ver tudo de forma tão clara e intensa.

Afastei-me da garota, que agora, entrava em metamorfose. Em suas costas, duas enormes asas surgiram. Brancas, como a neve ao tocar o chão, e tão expansivas e cheias de penas, como de uma majestosa ave.

Deu um passo atrás e tomou um leve impulso, mas suficiente para transportá-la até o telhado da casa. Meu corpo inconscientemente começou a segui-la. Fui jogada para cima, a acompanhando até o teto. As telhas eram vermelhas e brilhantemente organizadas, embora um enorme orifício estivesse em seu meio.

- Alguém já passou por aqui! - exclamei alto, minha voz invadindo o vazio.

Os ferros entrecruzados que sustentavam as paredes da casa abandonada pareciam prestes a desabarem. O telhado estremeceu sob meus pés. Olhei para baixo, sabendo que teria que pular.

"Vá, Natalie!", uma voz gritava dentro de mim. "Você não tem nada a perder!".

Fechei meus olhos, e sem pensar novamente, saltei. Um frio na barriga me percorreu todo o estômago. Mas a sensação era boa.

Demorei até me dar conta que já havia atingido o chão. Abri os olhos, me deparando com a garota sobre a mesa, e um homem à sua frente.

- Acho que vai chover. Não entendo como nenhuma gota de água ainda não caiu do céu. - o homem alto e loiro falou gravemente, aninhando um bebê em seu colo. Suas madeixas eram cacheadas, o que lhe dava certo aspecto angelical, embora apresentasse severidade no semblante. O bebê dormia tranquilamente, como se em sua vida apenas houvesse paz.

- Jura que está preocupado com isso? - a jovem de cabelos rebeldes e ruivos retrucou. Suas asas se encolheram, até desaparecerem completamente. Suas pernas voltaram ao aspecto humano. - Então, você deveria consertar o telhado!

- Não precisa usar desse sarcasmo comigo. - o homem rebateu, levantando charmosamente o canto direito do lábio.

- Quer que eu use de outro? - perguntou ela, fazendo uma careta e descendo da mesa. Suas mãos envolveram a cintura fina.

- Vamos parar com isso, Vit. - ele assumiu uma postura séria.

- Tudo bem. - Victoria respondeu, levantando as mãos em concordância. Seus olhos se concentraram no bebê que ele segurava. Ela parecia maravilhada pelo simples fato de estar tão perto da criança. - Você está se arriscando demais...

- Digo o mesmo a você! - piscou suavemente um dos olhos para ela.

- Você sabe o que o Conselho faria caso soubessem que você está me ajudando, Octavius. - ela respondeu, com melancolia em sua voz.

- É isso que os amigos fazem. - respondeu ele, decidido. - Ajudam uns aos outros!

- Então você acredita na minha inocência? - ela perguntou, olhando-o desconfiada. Sua sobrancelha esquerda se levantou, assim que concretizou sua dúvida.

- Mas é claro que sim! - ele rebateu, sem pestanejar. E olhando para o bebê em seu colo, completou: - Eu sei que você não faria uma crueldade dessas com a Sociedade.

Ela fechou os olhos por um momento. Ele a encarou, arregalando os olhos, notando uma sutileza diferente em seus gestos. Compreendeu, com uma olhadela, tudo aquilo que ela se privava de dizer.

- Você não... - ele mal pode completar seu pensamento, levando as pontas dos dedos ao lábio, perplexo.

- Eu jamais faria essa crueldade! - ela se derramou em prantos, permitindo lágrimas rolaram em seu rosto. - Mas tive que fazer um sacrifício pelo bem da família. - sua última frase saiu em um breve sussurro.

- Eu não acredito que você fez isso, Victoria! - ele bradou, alterando seu tom de voz.

- Não foi minha culpa. Mas é a única maneira de salvar minha família. Livrá-la da maldição! - ela enxugou as lágrimas com o dorso da mão.

- Mas, Victoria...

- Não precisa dizer mais nada. - ela replicou, tocando os lábios dele, com suas unhas compridas e bem feitas. - Já não tenho mais a certeza de que tudo ficará bem... - fez uma pausa, mas retomou em seguida. - Só me prometa uma coisa.

- O que você quiser! - ele prontamente retornou, sem hesitar, acenando afirmativamente.

- Você cuidará dele! - Victoria abaixou os olhos, fixando-os no bebê. - Você conseguiu mantê-lo vivo, mas não posso garantir por quanto tempo. A maldição não tardará a se realizar outra vez. Callum não pode ganhar! - ela respirou fundo, e senti que ainda não tinha acabado. - Caso eu não viva por muito tempo, terá que cuidar das Dolman também. Promete?

- Quando será o momento certo para eles saberem de tudo? - questionou ele, já recuperado do choque inicial.

- Você saberá quando o momento chegar! Conte com o auxílio de Anna. - ela deu uma última piscadela para o homem alto, e olhando para o bebê, seu olhar perdeu-se no vazio.

Havia sumido, deixando apenas uma intensa névoa atrás de si.

Comecei a desaparecer. Senti-me sumindo, caindo em um poço sem fundo, tentando me agarrar ao que quer que apareça em meu caminho, para não me aprofundar mais.

Mas o poço estava se tornando mais frio e escuro.

Tentei lutar com todas as forças, mas um medo me percorria.

Acordei de um pulo em minha cama, meus olhos arregalados e um arrepio intenso em cada pelo de meu corpo. Aquela era apenas a sensação de que algo ruim estava para acontecer.

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