Prólogo

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Um dia vazio em 1996

Nunca em toda a minha vida me senti desse jeito, mas no momento, em mim só existe a certeza de que as coisas irão piorar. E será em breve!

Consultei meu relógio de pulso. Já passava das 22h. A pulseira, outrora marrom-claro, encontrava-se desgastada. A tela com leves rachaduras e batidas nos cantos.

Meu corpo estava fundido com a névoa intensa que cobria a enorme fachada da casa. Ela passava por meu corpo como uma suave brisa, a balançar minhas madeixas ruivas e compridas, enlaçando-me como uma mãe acolhe o filho recém-nascido. Um calafrio veio de encontro a mim, encobrindo-me as entranhas. Senti naquele instante que poderia alcançar o paraíso, mas o momento logo se dissipou assim como a brisa se desfez.

Estava tão leve, saltitando sob as folhas secas caídas das árvores. Mal consegui ouvir meu respirar, tudo calmo. Pensei que estivesse morta, por um momento. Não estava. Sei disso. Aquilo não passava de um sonho, que de tão nítido, reproduziu o cenário com tamanha perfeição, queimando em minha mente. Era uma lembrança. De uma época muito distante, para que pudesse eu, afinal, recordar.

Minhas pernas bambas caminharam em direção ao portão da casa. Uma enorme teia de aranha o cobria a cada canto, seguidas por luminárias de brilho resplandecente em ambos os lados, quase ofuscando minha visão. Num simples toque de meus dedos, atravessei todo o portão, como se a névoa o tivesse transformado em nuvens de algodão.

A fachada da casa em um ouro envelhecido anunciava os dizeres na enorme frontaria:

Linhagem Dolman

Atravessei o portão, seguindo caminho por uma antiga trilha, onde árvores secas e sem vida cobriam a passagem, formando um grande emaranhado com aspecto sombrio. As folhas jogadas ao chão emitiam ruídos incômodos ao serem pisadas.

- Pensei que elas não fariam barulho! - exclamei, notando que meus pés não estavam mais deslizando pela alameda. Dessa vez, pisavam firmemente.

Aprumei o vestido, na inútil tentativa de me livrar daquele pó em minha roupa. Voltava ao normal. Sentia, agora, com mais precisão o peso de meu corpo sob as trêmulas pernas.

A trilha era estreita, mas eu tentava a todo custo não emitir sons ao pisotear as folhas secas. A lua crescente me brindava com um enorme sorriso, à vista num céu sem estrelas. Cheguei ao fim da alameda e meu coração se apertou ao ver que outra garota já havia encontrado aquele caminho antes.

Era uma jovem bela. Observei sua silhueta esguia e bem definida pelo vestido roxo. Suas madeixas eram ruivas naturalmente. De pele clara sardenta, acentuando ainda mais o azul de seus enormes olhos. Sua feição me apresentava preocupação. Procurava algo, embora me parecesse mais perdida do que eu naquele lugar.

Posicionei-me ao seu lado, embora minha presença continuasse imperceptível.

- Ei! - exclamei, tentando chamar sua atenção, mas seu semblante permaneceu inalterado.

Ela subiu os três degraus de madeira que davam acesso à porta. Segui-a. Parou rente à porta. Eu, apenas copiei seu gesto, novamente, passos atrás. Ela puxou a maçaneta freneticamente, mas não teve resultado nenhum.

"Está trancada!", praguejou para si mesma, precedendo um palavrão.

Um brilho travesso surgiu em seu olhar. Decidida, ela fechou os olhos durante alguns segundos. Concentrava-se. Sua testa estava franzida e as duas mãos ligeiramente elevadas.

Assustei-me e joguei meu corpo para trás quando vi o que acontecia. A garota se transformava bem na minha frente. A parte de trás de seu vestido roxo se rasgou bruscamente. Ela se dobrou em sua barriga, contorcendo as feições.

Meninas de SedaWhere stories live. Discover now