Hoje, passados vinte e seis anos do meu nascimento, cá estou eu, sentado na cadeira do meu escritório, exausto por mais um dia de pepinos no banco, aguardando a tela do meu computador mostrar uma coisa tão simples, mas tão sensacional. Minha mulher diz que é bobo, diz que não vê sentido nisso. Eu a ignoro nesse ponto, tadinha, não sabe o que fala. Ela aliás nem entende exatamente o que foi que eu consegui fazer. Sobre o que acha meu filho, que dorme profundamente no quarto ao lado, não preciso nem dizer nada. Imagino que eu, aos três anos de idade, também não conseguisse distinguir muita coisa. Já eu, o que sinto agora é algo inexplicável, quase sobrenatural. Depois de ter conseguido efetivamente abrir o browser Mosaic, meu corpo se inundou com uma mistura de ansiedade e euforia que não consigo nem acreditar existir. Deve ser por isso que enquanto olho meu computador carregar, pixel a pixel, linha a linha, a imagem à minha frente, estou refletindo sobre o que foi que aconteceu e que me fez chegar até aqui. Lembrando do meu passado, das minhas solitárias porém divertidas tardes no mato, das minhas incansáveis tardes na oficina do meu pai, sempre criando ou consertando as coisas.

Passei a semana toda atarefado com os preparativos para o que está acontecendo agora. Furei a parede e passei o cabo do telefone lá do quarto para o escritório. Conectei o cabo no modem que comprei esses dias, e via Renpac, rede nacional de pacotes da Embratel, acessei o provedor Alternex. Podia ter feito via DDD direto pro Rio de Janeiro, mas não compensaria. O minuto da ligação até o Rio sai muito caro. Pensando agora parece ter sido tão simples, mas conectar meu computador no provedor não foi uma tarefa nada fácil.

Agora, já faz duas horas que a merda do monitor tá carregando isto e foi só uns vinte por cento. E nessas mesmas duas horas estou olhando fixamente para a tela, notando como a pintura à minha frente se cria, se forma, como se estivesse sendo pintada ao vivo pelo artista, mas com alguns meros detalhes: a tela que observo é a do meu computador e o Leonardo da Vinci já morreu há muito tempo. Não consigo acreditar que estou vendo um dos quadros mais conhecidos do mundo se materializar na minha frente assim, do nada. E ele tá vindo de tão longe, lá da França. O Louvre tá lá em Paris, caralho! E ele tá me mandando, devagarzinho, o quadro 'Mona Lisa' do da Vinci. Tá vindo diretamente, ao vivo e em cores, do acervo digital do website do Museu do Louvre para o meu computador. Penso que não importa quantas horas forem, ainda vai ser mais rápido assim do que vir pelo correio em correspondência. Ri sozinho disso.

"Estou indo dormir, você vai ficar olhando pra esse monitor a noite inteira?" - perguntou a minha esposa.

"Já vou, já vou" – respondi. Precisava descansar para trabalhar novamente no dia seguinte. Com o moleque pequeno e a mulher prestando concurso, não posso simplesmente largar o trabalho pelo hobby.

Deixei o computador ligado para que o download terminasse. Acho que a maioria das pessoas não sabe nem o que significa a palavra download. Nem eu sei direito, mas sei o que é. É o que tá acontecendo agora lá no escritório. A transferência de dados do acervo do museu diretamente aqui para casa.

Acabei de deitar na cama, mas estou sentindo um frio... Mas não frio porque faz frio, já que hoje é um dia quente. Sinto aquele frio na barriga, aquela euforia da descoberta, aquilo que sei que é o que quero sentir pelo resto da minha vida. A única coisa que consigo pensar agora é que eu sou o primeiro londrinense a ter acessado a internet da própria casa. Ah, como eu amo a tecnologia!


Involução - 2016


Agora há pouco, descobri uma coisa muito interessante fuçando na internet, a permacultura. É um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e harmonia com a natureza. Do inglês permanent culture – nasceu na cabeça de um cara chamado Bill Mollison, ex-professor universitário australiano, na década de setenta. Pelo visto deve haver aqui alguma coincidência do destino, porque tanto eu, quanto a permacultura nascemos juntos, visto que eu nasci precisamente no ano de 1970.

Mostra Ecos 6ª ediçãoΌπου ζουν οι ιστορίες. Ανακάλυψε τώρα