Corredor da sorte

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ereuss

Conto Seis

CORREDOR DA SORTE

E. Reuss


"Precisamos jogar com mais balas."

Michael, o Franco Atirador


Eu gosto mais deles do que eles gostam de mim, disso eu tenho certeza. Para falar a verdade, eu os admiro. Admiro a espera e a paciência deles. Me sinto um deus caminhando sobre suas cabeças. Meus passos ressoam de forma regular na passarela de alumínio do telhado. Mantenho minha velocidade constante para não perturbar o sono dos apenados. A minha volta, a cidade geme e da sua maneira tenta reproduzir o padrão das estrelas com luzes brancas e amarelas. A minha aparência é heroica, mas talvez seja um efeito da bebida. Você se sente grande caminhando pela passarela, não tem como evitar. Lá embaixo, eles dormem sob uma camada suspensa de roupa suja, colchões e outros corpos presos por cordas e redes no teto da gaiola. As pessoas simplesmente aprendem a viver em níveis, como na cidade. Mas aqui não é como na cidade, não é mesmo? Aqui você sente o cheiro... Se você estivesse aqui, você também sentiria. E não é o cheiro de merda de que estou falando, é o cheiro da ausência da sorte. Afinal, a prisão é isso, uma sala de espera para aqueles que nasceram sem sorte.

Na Galeria E as coisas são diferentes. Não há sorte por aqui também, mas aqui eles tem portas e janelas, privacidade e sono sem perturbações. Um reflexo do dinheiro que eles tiveram lá fora. Aqui é o lugar onde gosto de passar meu tempo, pois posso deslizar sem fazer barulho pelos corredores e espiar pela pequena janela em suas portas. Um deles sorri para mim, o primeiro sorriso que recebo na ala masculina em não sei quantos anos. Há uma espécie de passividade nele que chamou minha atenção, algo que me lembra Santidade, assim, sentado de pernas cruzadas no chão úmido, sorrindo... Esperando. E que sorriso, tenho que dizer. Dava para perceber que foi investido dinheiro naquele sorriso. Um polimento perfeito, reluzente, caloroso, um sorriso que te convida a fazer loucuras. Ah, aquele sorriso já viu muita sorte por aí.

Tirei meu cantil do bolso da farda e comecei a beber. Ofereci um pouco para o monge, mas ele não ia querer aquela merda, não com aqueles dentes.

"Obrigado, mas não."

Enrosquei a tampa enquanto ele sorria para mim e comecei a deslizar novamente pelo corredor.

"Parece meio abatido, rapaz"

Eu parei. No estado terminal em que eu estava, eu precisava parar para qualquer coisa. Perguntei se ele falava comigo.

"É, é... Eu sei como tu vive... Conheço bem o teu tipo. Às vezes, ladeira abaixo é o caminho mais fácil."

"Ladeira abaixo?" Arrotei e comecei a rir.

"Acha que eu tô aqui contra a minha vontade?", ele disse enquanto eu abria minhas calças e mijava pela janelinha da bandeja de comida.

"Opa, acho que é hora de sair daí então... Oi? Como é? Não consegue? Ah, é mesmo. Sua vontade não vale nada aqui" Olhei para ele. Nenhum movimento. "Vivendo e aprendendo, meu amigo", eu disse, "vivendo e aprendendo".

Verdade. A vida nos ensina muita coisa. Naquela mesma tarde, por exemplo, ela me ensinou que paraplégicos não sofrem de disfunção erétil. Eu não teria problema nenhum com isso, se a ereção não estivesse dentro da minha mulher.

Mostra Ecos 6ª ediçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora