Fluxo

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Conto Sete

FLUXO

Luiz Mariano


"e no entanto, ela se move."

Galileu


Quando pensas no que foi, dificilmente aponto qualquer dor de consciência que não o óbito da racionalidade. Porque, o que falar se o pensamento se esvai junto com a mão que estraga o berço?

É preciso ter começo, meio e fim, diria os finados livros da didática ourives. Altivas, elas. Mas, é preciso saber: que quando o povo rola dados com o intestino, as borboletas voam. Manhãs.

Estava o à toa na universidade, quando o céu desabou feito um anjo. Sem mais nem menos, acabou. Mas o quê? O interesse pela vida? Ou a certeza de um fracasso em forma de poesia, feito homem? Não. Era preciso mais que o infinito, e para isso é fácil. Somente ser, pensar no cadafalso – mente humana. Não havia mais Pasárgada; não havia mais para onde ir. Não, a vida não é divertida mente, é corpo constante. Se os pássaros voam, os homens refletem e freiam a vontade de verdade.

E estes embates? Azuis e vermelhos, procurais lógica onde o instante é maior que o mosquito. Não, disseram os professores de narrativa. Sim, disseram os deuses. Não, disseram os cientistas. Sim, disseram os leucócitos anônimos. Eis que a verdade surge aos nossos olhos: havia um ser, com cabelos e poderes, que, por causa de livros e testemunhos, de repente toda uma sociedade de parentes e demógrafos insistem em parecer arrogantes a si mesmos, como se fossem filhos de Alcmena.

Parece que os pontos finais conferem seriedade à equação atômica. Mas, os tomistas diriam que não há parafuso solto na geleia. O fato é que, se pensar na roda cósmica do Universo, o nada é sempre livre. Mais ainda que algo entre as pernas (com marca) da mulher errada. E finalmente as mulheres, como não? Pois, ao crer no dimorfismo sexual, o abutre raramente come o significado.

A essa altura do campeonato, "não faz sentido" já passou na cabeça e nas mãos de moleques e moçoilas, senhores e libélulas, como se a vida fizesse algum fuzilamento perante alguém que insiste em rodeá-la. É como bater punheta em pleno mar de rosas, tão vil, tão além da compreensão dos pobres iluministas.... Pobre razão! Podre tesão pela existência. Mais vale algo sem valor que alimente, do que um peixe na bacia de Andrômeda.

Jogar videogame? Ora, jogar videogame! Atrasar o tímpano da esfera. Não?

É preciso travessões, é preciso diálogo, dirão. Pois tomemos diálogo. Mas não apenas; devem ser inteligentes, para passar no crivo da cristandade. Ateus? Ah tá.

-Não pode ser! – Exclamou a ninfeta no meio dos faunos.

-Mas como é o nome do protagonista? Perguntou o coro grego.

-Opa, isso está equivocadamente proibido. Seria como causar um bug na Matrix, por mais que quem não tenha assistido ao filme ficará boiando.

Cumprida a cláusula do conto, ponto, juntemos nossas mãos num mesmo ritmo. As madrastas pedem respeito, não? Vejamos: algo tem que acontecer. É tempo de encontrar sentido, significado. É tempo do meio. Não o império do meio dos chineses, mas um desenvolvimento cairia bem. Nada como um velho Machado de Assis cagando na cabeça dos entendidos em processos contratuais.

Eis que se ficar autobiográfico demais, é perigoso, pois a medida da civilização é o medo do desejo, e poderiam dar a desculpa da bebida, isto é, senhor. Sim. Mas não, nada de bebida, nada de música, somente o fluxo, será que Freud estava certo? Há um delinquente no palácio? Ora, Freud era apenas um homem, que não orava, quem disse que ele estava certo? E se esse for eu de verdade, e se eu for uma soma de eus mais micróbios e absintos?

Mas aí eis que chega a mulher e dá conta do recado, mas o que faz ela ser mulher? Ela é a sopa e acabou. E de repente todo um discurso fica fanho e acanhado, disco riscado, e o violão continua a pedir por aumento. O telégrafo já piscou na velocidade de um autômato, e a mulher começou a empoderar-se, ou, cuidado senão os detentores da ligação dos neurônios pedirão detentos em meio ao barranco. Não se pode pensar! Deve-se tomar um lado, e ser tudo menos isento de ser errático.

Hora de encher linguiça.

Deve-se salpicar salsicha, entrando palavras bonitas cheias de simbolismo para manter o leitor atento. Aliás, meu filho, você não perde por esperar, saiba que ainda nesse mesmo parágrafo acontecerá grandes confusões! Quer ver? Aqui vai uma profecia: dentro de dois dias você seguirá anônimo para a grande cadeia de acontecimentos que insistem em meter-lhe na cabeça. Cabe então transformar estas duas horas seguintes em algo nunca visto por você mesmo. Que tal um grande gesto, como diria Oscar Wilde, um "gesto desesperador"? Ou melhor, que tal falar depois de ler esse "conto" a seguinte frase: "Porra do caralho! Eu vou viver a partir de agora cada instante da melhor forma possível! Vou tratar os outros como se fossem eu mesmo! Vou honrar o fato de ter nascido!"

(Agora você se dá conta que o que conta não é o sentido, mas a pegada. Ou: um olhar pode valer mais que mil trepadas.)

E o fim? O fim é que tem que trazer uma moral da história, a não ser que seja livre expressão da múltipla organização do (para de buzinar, ourives!) artista, como se todo que escreve fosse além do alcance. O fim é agora? Depois vem o sempre, e o "felizes para sempre" depende do quanto se coloca num espaço, que o tempo sempre espera pelo momento de começar, e não precisa numerologia, pode ser a qualquer instante, pode ser quando tiver gripado, pode ser agora. Quem sabe se a enciclopédia reside num magma que ninguém conhece?

Pois não. O que acontece é que chegou na segunda página do documento do word, e descubro que a medida que devo medir é o comprimento da ignorância. Deus salve a consciência do saber, para então, perceber que o acontece é nada senão invenção do sempre porvir, do sempre existir, e, na dúvida, o cabeludo tem razão.

Mostra Ecos 6ª ediçãoWhere stories live. Discover now