Trinta e Três

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fsaraujo

Conto Cinco

TRINTA E TRÊS

Fabiano dos Santos Araújo


I

Não havia nada que chamasse atenção ali, a não ser se você estivesse preocupado com a bagunça. Era um quarto de um solteiro, não havia nada de incomum em sua aparência. Cada canto tinha os seus defeitos e coisas pra consertar, todos eles eram bem conhecidos por seu morador.

Ele estava no banho e mal sentia a água batendo em seu corpo. Um dos últimos avisos antes que não houvesse mais pressão alguma no chuveiro. Era mais um de seus incômodos diários. Sua mente se voltava para a pilha de exames e laudos médicos sobre o televisor.

O rapaz era bastante econômico, bastava olhar rapidamente o seu quarto e ver a idade e a quantidade de coisas que havia nele para constatar isso. Com a sua situação salarial, não havia outra forma de tratar suas finanças. Da melhor forma que podia, ele vivia sua existência frugal fazendo cortes e economias aqui e ali.

Depois do banho o rapaz se olhou no espelho por algum tempo. Seu cabelo molhado sobre o rosto escorrendo o que restava de água, sua pele, ainda jovem, refletia a luz nos pontos mais molhados. Suas olheiras sempre imutáveis, o fitavam. Seu nariz era bem maior do que ele gostaria. Seus lábios sempre ressecados, sua barba recém feita e a pele vermelha de irritação, por fim olhou em seus olhos escuros, sempre procurando alguma coisa fora do lugar, por algum elemento que não estava no dia anterior e agora poderia estar, ou mesmo o contrário. Buscando de alguma forma encaixar tudo o que via naquele banheiro, naquele quarto, naquela cidade.

Percebeu que estava tempo demais na frente do espelho sem ter feito quase nada para se arrumar. Ainda era cedo e se ele quisesse ficar parado na frente do espelho um pouco mais não faria diferença, mas ainda assim seria tempo demais desperdiçado com aquilo...

Vestiu-se e foi saindo, pousando os olhos na pilha de exames antes de tocar na maçaneta da porta. Isso fez uma das frases de seus médicos ressoar em sua mente:

Rapaz, você tem a saúde de um cavalo! Não tem absolutamente nada de errado com você. Seu quadro é invejável.

Saúde de cavalo, saúde de cavalo? – ele repetia mentalmente – E isso agora é termo médico? Saúde invejável? Só ele pra ter inveja de um cavalo... Por isso que a saúde nacional está dessa forma...

Ainda faltava muito tempo para o horário do seu ônibus, mas como estava sem fome, não tinha o que fazer com o tempo que usaria para preparar alguma coisa pra comer. Com esse tempo a mais iria caminhar até chegar a hora de pegar o seu ônibus, não queria chegar tão cedo assim no trabalho. E a caminhada lhe faria bem.

Sua mente estava insistindo nos mesmos pensamentos sobre os exames a todo momento, mas ele não queria focar nisso, era desanimador demais. Sempre que isso ocorria, apenas uma coisa o ajudava a desviar estes pensamentos, repetir mentalmente esta frase:

Se os médicos, que são entendidos em tudo isso, dizem que não tenho coisa alguma, não deve ser algo tão importante assim...

Ia repetindo isso até que estes pensamentos fossem perdendo o foco e deixassem de atormentá-lo. Mas se tinha uma coisa que ele sabia por experiência própria era que se uma obsessão não tratada perde sua força, outra sempre toma o seu lugar.

Mostra Ecos 6ª ediçãoWhere stories live. Discover now